Alunos do Direito da USP pedem a renúncia do Ministro da Justiça Alexandre de Moraes

12/01/17

O centro Acadêmico XI de Agosto, que congrega os alunos do curso de Direito da USP, fizeram uma carta aberta em que pedem a renúncia do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, por causa dos massacres nos presídios do Norte do país. A carta pode ser assinada por meio de uma petição eletrônica e está sendo apoiada por nomes de peso, como o procurador e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o ex-governador do Rio Grande do Sul e também ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, o professor da USP, Fábio Konder Comparato, e o deputado federal e ex-presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, entre outros.

Hoje (12), a Folha de São Paulo publicou entrevista do ministro Alexandre de Moraes em que ele afirma que não interveio no ano passado no presídio de Roraima porque se esqueceu (!!!) de um dos pedidos de socorro do governo estadual; na mesma entrevista, ele afirma que as conversas entre presos e advogados têm que ser gravadas – a entrevista de Moraes pode ser lida aqui.

O abaixo-assinado eletrônico com a carta pode ser acessado clicando aqui.

A seguir, a carta do Centro Acadêmico XI de Agosto.

CARTA ABERTA DO CENTRO ACADÊMICO XI DE AGOSTO SOBRE OS MASSACRES DO AMAZONAS E RORAIMA.

A/C: ALEXANDRE DE MORAES, MINISTRO DA JUSTIÇA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
No dia 1° de Janeiro de 2017, teve início no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus (AM) uma rebelião que culminou com a morte de 56 detentos. Tal massacre foi seguido pela declaração do Presidente da República Michel Temer de que o ocorrido representava um “acidente pavoroso”. Menos de uma semana depois o dito “acidente” se repetiu. Na madrugada do dia 06 de Janeiro outros 31 presos foram mortos, dessa vez na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima. Mais recentemente, na madrugada do último domingo, dia 8, houve mais um “acidente”; outras quatro pessoas presas foram mortas em Manaus, na recém reativada Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa.

O eufemismo empregado pelo atual presidente, no entanto, reveste-se de cinismo, tendo em vista que os massacres passam longe de mero acaso ou dado contingencial. Trata-se, na realidade, da falência do sistema carcerário brasileiro do ponto de vista de suas funções declaradas e cujas tragédias se repetem de tempos em tempos graças à omissão deliberada dos governos e do judiciário em um contexto de hiperencarceramento, alimentado pela criminalização da pobreza e da juventude negra.

Ainda assim, autoridades na tentativa de se escusar da responsabilidade pelos massacres, vem apontando que os episódios consistiram em “acertos de contas”.

Nesse sentido, por mais que os recentes acontecimentos tenham relação com a crise do acordo entre Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho e seus aliados regionais, a disputa entre as facções não pode servir como retórica de justificação da barbárie, tendo em vista a evidente responsabilidade do Poder Público perante os massacres de pessoas sob custódia do Estado.

Os dois episódios, portanto, não deveriam surpreender governantes e magistrados. Não é de hoje que as prisões constituem verdadeiros depósitos de pessoas e que as condições de vida precárias e a superlotação nas unidades prisionais brasileiras são de conhecimento público. Como mencionado, periodicamente grandes rebeliões de repercussão midiática trazem o caos carcerário para o centro do debate nacional, que poucas semanas depois é novamente esquecido e substituído na mídia pelo corriqueiro populismo penal e pela desumanização do perfil selecionado pelo sistema de justiça criminal, até que a próxima tragédia faça com que as autoridades e a sociedade brasileira se recordem da situação à qual cerca de 622 mil presos e presas brasileiros estão submetidos.

Segundo dados oficiais do Infopen – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – de 2014, cerca de 61,67% da população prisional do país é formada por pretos e pardos, ou seja, 2 em cada 3 detentos são negros. A juventude, por sua vez, também é maioria no sistema carcerário brasileiro, sendo 56% da população composta por pessoas entre 18 e 29 anos. Além disso, o Brasil já possui a quarta maior população carcerária do mundo, e de acordo com dados oficiais do Infopen, nos últimos 14 anos o número de presos no país cresceu mais de 167%. Cerca de 40% das pessoas em privação de liberdade estão presas provisoriamente, por força da prática amplamente difundida no judiciário brasileiro que, a despeito da lei processual, converte a prisão cautelar de exceção em regra.

No início de 2016 foi divulgado relatório da ONU acerca das práticas de tortura e maus tratos nos presídios brasileiros. O especialista em direitos humanos Juan E. Méndez, responsável pelo relatório, destacou ainda o racismo institucional de nosso sistema carcerário. Soma-se aos atos de tortura a situação de superlotação nos presídios. O contínuo aumento da população carcerária, combinado com a estrutura inadequada do sistema prisional, gera o que o autor chama de “superlotação endêmica” em nosso país.

Não por coincidência, segundo o Infopen 2014, os maiores déficits de vagas são justamente os dos estados do Amazonas e Roraima. No caso de Roraima, especificamente, há de se ressaltar que a situação de tratamento degradante aos presos do estado – onde há superlotação, restrição ao direito de visitas e maus tratos – já havia sido denunciada pela Pastoral Carcerária diversas vezes. Além disso, em janeiro de 2015 a própria governadora Suely Campos (PP) já havia decretado estado especial de emergência no sistema prisional por 180 dias, em contexto de falta de pagamento aos fornecedores terceirizados de comida e itens de higiene aos presos e sob a promessa de elaborar um plano para o bom funcionamento das unidades.

No caso de Manaus, soma-se o fato de que a unidade prisional é administrada pela empresa terceirizada Umanizzare, que recebe R$ 4,7 mil reais mensais por preso, sob a justificativa do poder público de que a iniciativa privada seria capaz de garantir uma gestão eficiente do sistema carcerário. A tragédia, nesse sentido, também coloca em xeque a retórica neoliberal e expõe a medida segundo a qual a inserção das penitenciárias na lógica de mercado, seja por meio de terceirização ou de parcerias público-privadas, se converte em mais uma forma de desumanização do detento, contribuindo para intensificar o quadro de violações de direitos individuais.

Nesse contexto, repudiamos as declarações do governo Temer com relação aos massacres e, em especial, manifestamos nosso profundo repúdio à postura de Vossa Excelência – atual Ministro da Justiça e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Alexandre de Moraes – com recorrentes declarações populistas e irresponsáveis relacionadas às pautas de política criminal, que expõem nesse momento de agudização da crise do sistema carcerário sua total incompetência perante o cargo que ocupa.

Assim, as manifestações de Vossa Excelência, com destaque para sua absurda recusa em colaborar com a contenção do caos prisional no Estado de Roraima – expressa em ofício do último dia 26 -, bem como as declarações do agora exonerado Secretário Nacional da Juventude da Presidência da República Bruno Júlio, segundo o qual “deveria haver uma chacina por semana”, mais que revelar a ignorância e a inabilidade do governo Temer com relação ao sistema de justiça criminal, expõe seu absoluto descompromisso até mesmo com valores civilizatórios.

Pressionado pela repercussão social dos massacres, no entanto, Vossa Excelência antecipou o lançamento do novo Plano Nacional de Segurança Pública – formulado a portas fechadas e centrado fundamentalmente em policiamento e no recrudescimento da política de drogas – que prevê reduzir a superlotação das unidades prisionais em 15% até 2018, por meio da construção de cinco novas unidades federais e do repasse de 800 milhões de reais aos estados para a construção de novos presídios e 400 milhões de reais para investimentos em sua “modernização”. É, no entanto – e não por acaso – o atual governo o responsável pelo decreto de indulto mais restritivo em décadas.

Para além do populismo do atual governo federal, no entanto, temos clareza de que a crise aguda que o sistema carcerário atravessa hoje encontra saída na redução do encarceramento e do sistema prisional. Assim, para além das propostas mais ou menos bem intencionadas de construção de novas unidades, que a própria história já mostrou que servem não à efetivação da Lei de Execução Penal, mas sim como mais um motor do hiperencarceramento, faz-se necessário repensar o sistema de justiça criminal no Brasil como um todo.

Enfim, comprometidos com a retomada da democracia e com a construção de uma sociedade justa e fraterna, acreditamos que o enfrentamento ao avanço do neoliberalismo que o Brasil vive hoje exige, mais do que nunca, uma agenda político-criminal de desencarceramento e contenção do poder punitivo que ocupe um dos eixos centrais do programa dos setores progressistas. Estamos convencidos de que uma agenda democrática e de efetivação dos direitos humanos não pode ser levada a cabo por Temer e, nesse sentido, não nos surpreendem as declarações de representantes do atual governo. Ainda assim, tendo em vista o cenário de barbárie que se perpetua hoje no sistema carcerário, mesmo de um Ministro alçado ao poder por meios cuja legitimidade é questionada, exige-se seriedade.

Consideramos, portanto, que o Plano Nacional de Segurança Pública, cuja divulgação foi meramente reativa, deve ser revisto, tendo em vista que no mínimo apresenta incompatibilidade entre meios e fins declarados e carece de qualquer respaldo científico. Por fim, manifestamos nossa posição de que sua postura omissa, inábil e populista o torna absolutamente incompatível com a posição de Ministro da Justiça e, assim, reiteramos nosso repúdio por suas ações e pedimos que tenha a grandeza de renunciar ao cargo.

Paula Masulk – Presidenta do C.A. XI de Agosto

O abaixo-assinado eletrônico com a carta pode ser acessado clicando aqui.