Reportagem do jornal Folha de S. Paulo deste sábado (11) registra que o TST aceitou o pedido de um pastor evangélico em ação contra a Igreja Universal de que ele mantinha vínculo empregatício em sua função – a igreja ainda pode recorrer, mas só no Supremo.
Folha de S. Paulo (FELIPE SELIGMAN/JOÃO CARLOS MAGALHÃES): O TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve pela primeira vez uma decisão que reconheceu vínculo empregatício na função de pastor evangélico.
A decisão permite, assim, o direito a possíveis indenizações trabalhistas.
A Igreja Universal, onde atuou o pastor que ganhou a ação, ainda pode tentar recorrer ao próprio TST e ao Supremo Tribunal Federal.
Procurada pela Folha, a igreja afirmou, por meio de sua assessoria, que não existia vínculo empregatício, porque o ex-pastor atuou por “um ato de amor”, desvinculado de “qualquer pretensão econômica”.
Até agora, raros pedidos semelhantes tinham obtido sucesso em instâncias inferiores, mas acabavam esbarrando na jurisprudência do próprio TST.
Segundo essas decisões anteriores da corte máxima da Justiça do Trabalho, o serviço prestado por religiosos a igrejas é voluntário e baseado na fé, e não em relações materiais -logo, não existiria uma relação trabalhista.
Mas Carlos Henrique de Araújo, que entre 1999 e 2007 foi pastor da Igreja Universal do Reino de Deus no Rio de Janeiro, trouxe um elemento diferente: ele argumentou, e de acordo com a Justiça conseguiu provar, que era cobrado por metas de arrecadação de doações para a denominação evangélica.
Afirmou também que, quando não conseguiu alcançar esses objetivos, seu ganho mensal, que era de R$ 2.400, foi cortado pela metade.
SUSPEITAS DE DESVIOS
Mais tarde, Araújo foi desligado em meio a suspeitas de colegas de que desviou as contribuições -a acusação foi considerada falsa pela Justiça, o que o levou a receber uma indenização por dano moral de R$ 19 mil.
Pedindo um total de R$ 155,7 mil, Araújo juntou ao processo recibos de pagamentos e testemunhos confirmando as metas de arrecadação, os ganhos e indicando que “não podia exercer outra atividade” que não a de pastor, segundo uma decisão de fevereiro de 2010 do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 1ª Região.
“Da análise do conjunto probatório, temos como certo que o autor não era, simplesmente, um “pastor” encarregado de pregar, e sim um prestador de serviços à instituição, com subordinação e metas a serem cumpridas, mediante pagamento de salário”, disse então a desembargadora Ana Maria Moraes, mantendo a sentença de primeira instância, que deu ganho de causa a Araújo.
A Universal recorreu ao TST, que, ao analisar o caso nesta semana, corroborou o entendimento.
RECURSO
Em acórdão publicado anteontem, o ministro Ives Gandra Martins Filho disse que a decisão anterior ocorreu em “harmonia com as provas” e negou o recurso da Universal. Aceitá-lo “implicaria o reexame dos fatos e provas”, escreveu, o que é vedado por uma súmula do tribunal.
Durante todo o processo, a Universal argumentou que a função de Araújo era unicamente a de pastor, usando em sua defesa decisões anteriores de ministros do próprio TST e testemunhos que negavam a existência de metas de arrecadação.
“É uma decisão de grande relevância. Dá um balizamento importante. Não obriga, mas influencia outros juízes”, disse Jorge Luiz Souto Maior, professor de direito do trabalho da USP.
“Se fica comprovado um caráter oneroso na relação, isso retira o caráter religioso da atividade, caracterizando o vínculo empregatício.”