Artigo do jornalista Luiz Garcia publicado hoje em O Globo:
O doleiro do TRT: Sempre que há risco de se provocar susto ou indignação no respeitável público, o pessoal lá de cima capricha no vocabulário. No mais recente escândalo, que tem como palco o Poder Judiciário, a malandragem ganhou nas altas esferas o apelido pernóstico de “operações financeiras atípicas”. Quem sabe, devem ter pensado os cidadãos diretamente interessados, assim o pessoal lá fora vai ficar mais tranquilo.
Esperemos que não. Afinal de contas, o leitor de jornal, o ouvinte de rádio e o espectador de TV já sabem traduzir a linguagem peculiar que predomina na chamada vida pública nacional. O escândalo envolveu o comércio de dólares nos cartórios e tri0bunais. As vendas foram consideradas “atípicas” principalmente na última década, quando envolveram um total de quase R$320 milhões. Um doleiro não identificado foi o atípico campeão, responsável por operações financeiras num total de mais de R$280 milhões, quase tudo dinheiro de prósperos membros ou funcionários do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, sediada no Rio.
Comprar dólares ainda não é crime ou pecado. Basta que a próspera turma da 1ª Região possa explicar como enricou.
Em outros cinco estados, investigações recentes do CNJ descobriram irregularidades sérias em pagamentos de auxílio-moradia, diárias para viagens de juízes, jetons e adicionais por tempo de serviço. E vêm mais revelações por aí: o CNJ está passando um pente-fino nos tribunais do país inteiro.
Até agora, conhecem-se os crimes, mas não os criminosos. O bom trabalho de limpeza que vem fazendo o CNJ não está sendo acompanhado pela identificação dos ilustres senhores que andaram sujando a barra de suas togas. Se forem punidos, não haverá dúvidas sobre seus pecados — e, obviamente, merecerão ser publicamente identificados, como acontece com quaisquer outros cidadãos que metem a mão no dinheiro da gente.
É bom não esquecer que o doleiro que prestava seus serviços ao pessoal do TRT do Rio era funcionário do tribunal. Alguém imagina que ele fazia qualquer coisa por lá, além de vender dólares? Essa é uma pergunta óbvia, mas absolutamente necessária. Para que não se corra o risco de que a demissão do doleiro seja considerada solução e fim desse triste episódio.