Janio de Freitas: 'Lava Jato se assumiu como ação política, o que os princípios e os fins da Procuradoria da República não admitem'

2/08/15

o que os princípios e os fins da Procuradoria da República não admitem.Artigo do articulista da Folha de S. Paulo Janio de Freitas, publicado nesse domingo (02/08) ataca a Lava Jato, que para o decano jornalista se transformou em uma ação política; ele também faz uma comparação entre as bombas jogadas na semana passada no Instituto Lula e a bomba que matou dona Lida, secretária da OAB, nos anos da ditadura militar:
Além do previsto – com Deltan Dallagnol, a Lava Jato se assumiu como ação política, o que a Procuradoria não admite
Tremei, cidadãs e cidadãos. Já não bastam as vozes do impeachment, a fúria dos bolsonaros, a pauta-bomba de Eduardo Cunha que não é para a Câmara mas sobre o país. Nem bastam as manifestações programadas pelo SOS Militares e pelo PSDB de Aécio, nem mesmo a Lava Jato. Tremei cidadãs e cidadãos, que além do mais, e sobre todas as coisas, faz agosto.
Se em melhor tempo alguém, nestas páginas, concluiu que a solução para Dilma é a que Getúlio se deu, não por acaso em certo agosto, não é exagero que o novo agosto chegue anunciado por uma “bomba caseira” lançada no Instituto Lula. Bombas são assim domesticamente inofensivas, “caseiras”, até que matam uma dona Lida, uma criança na calçada, ou moradores de rua, que para eles o azar não tem fim. Bombas não costumam ser solitárias. É bem possível que a bomba de agora seja vista, depois, como um ponto inicial. Nem sugiro de quê.
No agosto tão previsto surge, porém, algo que ninguém ousara prever. Por falta do precedente apesar de todos os agostos. Ou por um saldo de crença no bom senso onde se teme que falte. O imprevisível foi trazido pelo jovem procurador Deltan Dallagnol, um dos cruzados e porta-voz da Lava Jato.
Seria no máximo extravagante o enlace entre exposição dos feitos da Lava Jato e a oração que Dallagnol fez, para seus irmãos de fé, em uma igreja batista no Rio –com convite a jornalistas para a conveniente propagação da mensagem. A da fé aliada à Lava Jato ou só a outra, não se sabe. A outra que, ficou claro, foi uma das finalidades da assembleia, senão “a” finalidade da exposição entremeada de citações bíblicas: Dallagnol pediu que seus irmãos de fé acompanhem a página de determinado pastor na internet, que difunde o espírito cruzado da Lava Jato. E foi mais longe: concitou à mobilização dos crentes para uma agenda de manifestações “contra a corrupção”. Entre elas, uma pregação que se pretende de âmbito nacional.
Quando? No 16 de agosto que os pregadores do impeachment de Dilma escolheram para voltar à rua.
Deltan Dallagnol fez a palestra na condição de participante de inquéritos da Procuradoria da República e de integrante da chamada Operação Lava Jato. Sua exposição e os gráficos exibidos foram os mesmos feitos dias antes na TV, sem as conotações religiosas e sem a convocação. Como porta-voz da Lava Jato em ambas, na segunda exposição pôde fazer o que na anterior não cabia: a convocação que expressa uma definição política e o propósito do grupo de trabalho que ele integra. Tanto que nenhuma voz desse grupo tomou a providência de retificá-lo na definição e na incitação que fez, e que muitos meios de comunicação noticiaram.
Por meio de Deltan Dallagnol, a Lava Jato se assumiu como ação política –o que os princípios e os fins da Procuradoria da República não admitem.
A REUNIÃO
Apesar de tudo, agosto promete alguma diversão.
Os adeptos do impeachment dividiram-se depois da reunião de Dilma com os 26 governadores e o governador do DF. Uns silenciaram sobre o resultado, para poderem falar em derrota de Dilma. Outros, como Aécio e a cúpula do PSDB, perderam a voz. Mas o fato é claro: Dilma teve uma vitória política, talvez muito além da esperada.
Foi um jogo de alto risco para os dois lados. Não seria surpreendente que se apresentasse uma dissidência entre os governadores, recusando as propostas de Dilma e inutilizando a reunião. Para os governadores, o risco está no teste que aceitaram, ao comprometer-se a tanger suas bancadas para o apoio, no Congresso, à contenção de gastos e à derrubada dos novos e altos gastos aprovados por comando de Eduardo Cunha. Os governadores apostaram na sua duvidosa força política.
Embates em vários Estados, embates na Câmara entre os cumpridores do acordo feito no Planalto e o desacordo total anunciado por Eduardo Cunha e sua pauta-bomba. Até lá, vigora a imagem de rara unanimidade entre os 27 governadores.