DO SITE O GLOBO:
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar suspendendo os efeitos da portaria que alterou as regras de fiscalização do trabalho escravo. A ministra considerou que a medida “vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais”.
A decisão, que é provisória e ainda precisa ser confirmada pelo plenário do tribunal, foi tomada em uma ação pedida pela Rede Sustentabilidade na semana passada. Rosa Weber pediu informações para o Ministério do Trabalho, e abriu espaço para o posicionamento da Advogacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Para a ministra, a medida pode comprometer “resultados alcançados durante anos de desenvolvimento de políticas públicas de combate à odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de escravo”.
Um dos pontos questionados por Rosa Weber foi a exigência de autorização do ministro do Trabalho para a inclusão de novos nomes na “lista suja” do trabalho escravo e também para a divulgação da lista. “São medidas administrativas que limitam e enfraquecem as ações de fiscalização”, avaliou acrescentando que a determinação condiciona a “eficácia de uma decisão administrativa a uma vontade individual de Ministro de Estado, que tem notório viés político”.
A ministra também criticou a definição, determinada pela portaria, de que a escravidão só ocorre quando há uso de coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, segurança armada para reter o trabalhador e confisco de documentos pessoais. Ela ressaltou que a definição é “mais sutil”, e que o cerceamento pode decorrer de “diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos”.
“O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno”, diz a decisão.
Outro ponto questionado foi a vinculação dos conceitos de “jornada exaustiva” e de “condição degradante” com a liberdade de ir e vir. De acordo com a ministra, não há essa relação.
“Se, no entanto, a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se submetidos os trabalhadores a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, resulta configurada, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir, hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de escravos”, afirma o texto.
OUTROS DOIS PEDIDOS ESTÃO NO STF
No pedido, a Rede afirmou que a portaria “desfigurou o marco legal do combate ao trabalho escravo no país”, e diz que ela foi apresentada para que o governo consiga votos na análise pela Câmara dos Deputados da segunda denúncia apresentada contra o presidente Michel Temer, marcada para acontecer na quarta-feira.
Na semana passada, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) também havia pedido que o STF considerasse a medida inconstitucional. Na segunda-feira, foi a vez do PDT fazer solicitação semelhante. Esses outros dois pedidos também são relatados por Rosa Weber, mas ainda não houve uma decisão referente a eles.
Na segunda-feira da semana passada, o governo publicou uma portaria com novas regras para o combate ao trabalho escravo, que na verdade dificultam o trabalho de fiscalização. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, determinou que a “lista suja“, que traz os nomes dos empregadores autuados pela prática do crime, só será divulgada “por determinação expressa” dele ou de quem estiver como titular da pasta. Antes, essa atribuição era da área técnica.
A mudança foi a mais recente benesse concedida pelo governo do presidente Michel Temer à bancada ruralista, agraciada nos últimos meses com diferentes medidas. Uma delas foi o critério do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, previsto em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) e assinado pelo presidente da República em julho.
A iniciativa provocou uma enxurrada de críticas, seja de auditores que fiscalizam o trabalho escravo, de artistas e de políticos e personalidades, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.