Foi publicado no fim do ano passado um artigo no Conjur, de autoria do juiz do trabalho Otavio Calvet, alertando para o “fomento da litigância predatória na Justiça do Trabalho. O autor é um magistrado conhecido por emitir opiniões favoráveis à reforma trabalhista e com críticas à própria Justiça do Trabalho.
No entanto, o que justificou a publicação de nota do Sindicato dos Advogados não foi o notório posicionamento ideológico do juiz Calvet, mas a denúncia sobre uma prática grave que supostamente estaria assolando a Justiça do Trabalho, utilizada como espantalho para restringir o acesso à Justiça pelo trabalhador.
A chamada “litigância predatória” foi definida pelo próprio autor do artigo, com base em um definição do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), como: “quantidade expressiva e desproporcional aos históricos estatísticos de ações propostas por autores residentes em outras comarcas/subseções judiciárias; petições iniciais acompanhadas de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações; postulações expressivas de advogados não atuantes na comarca com muitas ações distribuídas em curto lapso temporal; petições iniciais sem documentos comprobatórios mínimos das alegações ou documentos não relacionados com a causa de pedir; procurações genéricas; distribuição de ações idênticas.”
Ora, quem milita na Justiça do Trabalho não tem conhecimento de qualquer movimento expressivo de ações com esta característica na Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro. Aliás, o próprio juiz Calvet não indica qualquer estatística sobre o fenômeno no TRT da 1ª Região, não menciona casos na sua própria vara e cita um único processo no qual um juiz teria identificado a prática e punido uma suposta litigância de má-fé (processo nº 0100570-75.2021.5.01.0431).
No entanto, ao verificar o andamento do processo citado pelo juiz Calvet se constata que a sentença foi reformada, por unanimidade, pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Em primoroso Acórdão da lavra do desembargador Jorge da Fonte, foi descaracterizada a chamada “litigância predatória”, afastadas as multas aplicadas ao reclamante, sua testemunha e aos seus advogados. Foram deferidas também parcialmente as verbas reclamadas pelo trabalhador, revelando que havia sim direitos legítimos que amparavam suas pretensões.
O que o episódio nos ensina é que, muitas vezes, o fantasma da “litigância predatória” é utilizado para cercear o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. Todos se lembram da afirmação falaciosa do Ministro Barroso de que o Brasil teria “98% das ações trabalhistas do mundo”, retirada do bolso do seu colete, sem nenhuma base real. As mentiras e exageros sobre a Justiça do Trabalho buscam sempre esconder uma realidade implacável, demonstrada por estatísticas reais do TST: a maioria das ações trabalhistas no Brasil se refere ao descumprimento de direitos básicos do trabalhador e é julgada parcialmente procedente.
Infelizmente, o autor do artigo não parece preocupado o enorme número de ações trabalhistas ajuizadas por falta de pagamento de verbas rescisórias, salários e anotação do contrato na CTPS. Tais ações sim atulham a Justiça do Trabalho de processos e poderiam ser evitadas com o cumprimento da lei, sem necessidade de maiores intepretações ou artigos doutrinários. Mas a sua preocupação, que transparece de forma evidente no artigo, é a “facilidade” com que o trabalhador tem acesso à Justiça, sem pagamento de custas ou honorários de sucumbência.
O Sindicato dos Advogados vem, a propósito, da prolação deste salutar Acórdão da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho reafirmar seu compromisso com a garantia constitucional de acesso do trabalhador ao Judiciário e com a necessidade da proteção dos direitos assegurados pela legislação trabalhista. Este é o grande desafio da Justiça do Trabalho hoje, até porque não se conhece nenhum país que se desenvolveu sem garantir condições mínimas de dignidade aos seus trabalhadores.
Por: Sérgio Batalha, Presidente da Comissão da Justiça do Trabalho do SAERJ.