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O órgão oficial da OAB/RJ, a Tribuna do Advogado, realizou entrevista com o jurista alemão Claus Roxin (foto abaixo da Folha de S. Paulo), um dos idealizadores da tese do domínio do fato, base da acusação da PGR na AP 470, e que foi aceita pela maioria do Supremo.
Na entrevista, ele afirma: “O ‘ter de saber’ não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir”.
Do site da Tribuna do Advogado (Eduardo Sarmento):
A teoria do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da Ação Penal 470. Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve apresentação?
A teoria do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a desenvolveu em todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com cerca de 700 páginas. Minha motivação foram os crimes cometidos à época do nacional-socialismo.
A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido delitos pelas próprias mãos – por exemplo, o disparo contra judeus -, enquanto sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da época.
Teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, assim como na responsabilização de Alberto Fujimori por crimes cometidos durante seu governo
De início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi cada vez mais aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo, grandes êxitos foram obtidos, sobretudo na América do Sul, onde a teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, considerando seus integrantes autores, assim como na responsabilização do ex-presidente peruano Alberto Fujimori por diversos crimes cometidos durante seu governo.
Posteriormente, o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso Superior Tribunal de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar os casos de crimes na Alemanha Oriental, especialmente as ordens para disparar contra aqueles que tentassem fugir para a Alemanha Ocidental atravessando a fronteira entre os dois países. A teoria também foi adotada pelo Tribunal Penal Internacional e consta em seu estatuto.
Seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar determinada posição hierárquica?
Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. O ‘ter de saber’ não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.
No caso de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e homicídios que foram realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do Peru exigiu as provas desses fatos para condená-lo. No caso dos atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os acusados foram os membros do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que deram a ordem para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a fronteira e fugir para a Alemanha Ocidental.
É possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por dirigentes governamentais em uma democracia?
Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado. O critério com que trabalho é a dissociação do Direito (Rechtsgelöstheit). A característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.
Em uma democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo ilícito, as pessoas têm o conhecimento de que poderão responder por isso. Somente em um regime autoritário pode-se atuar com a certeza de que nada vai acontecer, com a garantia da ditadura.
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Do site da Folha (FELIPE SELIGMAN/FLÁVIO FERREIRA/MÁRCIO FALCÃO): O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli questionou nesta quarta-feira o tamanho das penas aplicadas aos réus do mensalão pela Corte e disse que parâmetros do julgamento não são mais da época da “fogueira”.
“A filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento em 2012 não é o parâmetro da época de Torquemada, da época da condenação fácil à fogueira”, apontou citando Tomás de Torquemada, famoso inquisitor espanhol do século 15.
O ministro afirmou que, em seu entendimento, a pedagogia contra o crime financeiro é recuperar os valores desviados e não colocar as pessoas na cadeia. Para Dias Toffoli, “prisão combina com período medieval”.
“As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas nesse processo não tem parâmetros contemporâneos. Em termos de multa, também não tem”.
Até agora, com foram definidas penas para oito réus que somam 157 anos de prisão e mais de R$ 11 milhões em multas. Ao todo, foram 25 condenados pelo esquema de desvio de recursos públicos e empréstimos fictícios utilizados para a compra de parlamentares no início do governo Lula.
Dias Toffoli citou a fala de ontem do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) de que preferia morrer do que ir para uma prisão brasileira.
“Já ouvi leituras dizendo que o pedagógico é colocar as pessoas na cadeia, o pedagógico é recuperar os valores desviados, muitas vezes em auto beneficio”. E questionou: “Vale a pena passar tempo na cadeia pelo custo benefício e depois usufruir os valores?”.
Dias Toffoli afirmou ainda que, quando comandou a Advocacia Geral da União, instalou um departamento de recuperação de recursos desviados. “Sem medo de dizer o que eu penso, [numa linha] mais liberal, vamos dizer mais contemporânea, porque prisão combina com período medieval, no período que foi instituída. Vamos ser contemporâneo às multas”, defendeu.
Segundo o ministro, os critérios adotados pelo Supremo na definição das penas são exagerados se comparados com penas de crimes contra a sociedade. Ele chegou a citar a dona do Banco Rural, Kátia Rabello, condenada a mais de 16 anos de prisão.
“Crimes contra o ser humano são apenados, volto a dizer, com penas mais leves do que essa em termos de restrição de liberdade. Pessoas que não são violentas, que não agridem o ser humano do ponto de vista real, temos uma banqueira condenada, uma bailarina”.
Para Dias Toffoli, o mensalão não colocou em risco a democracia. “Aqui o intuito era financeiro, não era atentar contra a democracia, o Estado de direito, que é mais sólido do que isso (…) Partindo dessa premissa, que se pague com o vil metal”.
O ministro também se disse preocupado com a simbologia do julgamento. “Temos que repensar o que estamos a sinalizar para a sociedade”, disse.
O ministro Luiz Fux disse que concordava com parte das declarações de Dias Toffoli, mas que, no caso específico, era preciso seguir o que prevê a Constituição. “Não podemos fugir da aplicação da lei porque essa foi a opção do legislador”, disse.
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O jornalista Luis Nassif escreve artigo, criticando a postura do ministro do STF, Ayres Britto, em relação à defesa do direito de resposta em nossa legislação:
Do site do Luis Nassif: Como Ministro do STF, Ayres Britto acabou com a Lei da Imprensa e não cuidou de preservar o direito de resposta. Deixou ao desamparo centenas de vítimas dos crimes da imprensa.
Logo que assumiu a presidência do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) anunciou a criação de um grupo visando coibir abusos de juizes de primeira instância contra a imprensa. Em seguida, uma série imensa de entrevistas onde tratava a liberdade de imprensa como valor absoluto – não o direito à informação e a liberdade de expressão, mas objetivamente a liberdade de imprensa.
Aqui mesmo enderecei-lhe Carta Aberta questionando sua falta de sensibilidade para com as vítimas de assassinatos de reputação da mídia. Mostrei-lhe que o problema maior era o contrário, a dificuldade das vítimas em recorrer ao Judiciário, mercê de uma visão distorcida sobre a natureza das empresas jornalísticas e sobre sua relação com o direito à informação.
A imprensa é um instrumento do direito à informação – este, sim, um direito absoluto. Por ser responsável pelo cumprimento de um dos direitos fundamentais da sociedade democrática, sua responsabilidade deve ser redobrada.
Há momentos em que a imprensa cumpre com essa responsabilidade. Em outros momentos extrapola, muitas vezes colocando interesses comerciais à frente da responsabilidade perante a informação. O papel do Judiciário é justamente o de permitir às vítimas defenderem-se, zelar por sua reputação e por sua privacidade, estabelecer um mínimo de equilíbrio entre o imenso poder de um órgão de mídia e a vulnerabilidade do cidadão atingido por seus ataques.
Depois da Carta fui convidado para um almoço com Ayres Britto. Iniciou o almoço apresentando-se como poeta, para ganhar a simpatia do interlocutor.
Cobrei dele afirmações sobre a liberdade de imprensa como direito absoluto. Qualquer forma de direito tem que vir acompanhado de responsabilidades proporcionais. Mas em suas entrevistas, só lia sobre os direitos. Com ar inocente, disse que sempre falava em direitos e obrigações, mas os jornais só publicavam a parte dos direitos.
Ministro – argumentei -, tudo bem essa manipulação na primeira entrevista. Mas o senhor permitiu que se repetisse na segunda, na terceira, na quarta. E a palavra que vai para todo o país é aquela transmitida pelos meios de comunicação. Disse que não podia fazer nada.
Solicitei que permitisse, ao menos, que houvesse um debate plural no CNJ, sobre os limites à ação da imprensa, sobre a importância do direito de resposta, sobre a proteção ao direito difuso da população, das vítimas da imprudência jornalística. Prometeu que abriria essas discussões.
Que nada! Levou algum tempo para entender o que movia Ayres Britto.
No dia 2 de outubro de 2010, a Folha trouxe matéria sobre o seu genro (clique aqui). Ele se apresentava como advogado de políticos que seriam julgados pela Lei da Ficha Limpa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no STF.
Vendia o peixe de que, sendo advogado, o sogro teria que se declarar impedido de votar, dificultando a condenação do político. O genro tentou vender os serviços para Joaquim Roriz.
O argumento central do genro, segundo a reportagem, era de que esse mesmo esquema tinha sido montado com o senador Expedito Júnior, de Rondônia.
Diz a reportagem:
“No caso de Expedito Júnior, Britto alegou impedimento duas vezes: no STF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No ano passado, Britto foi sorteado relator de um inquérito no Supremo que investiga Expedito. Uma semana depois, Borges entrou na causa e obrigou o ministro a se declarar impedido.
Para atuar na Justiça Eleitoral, Borges foi contratado em 2006, quando o tucano foi acusado de comprar votos para se eleger senador em Rondônia. No ano passado, ele foi cassado pelo TSE em julgamento que não contou com a presença Ayres Britto, impedido de votar.
Na tentativa de estipular um preço para defender Roriz, Borges afirma ter cobrado R$ 4,5 milhões do cliente de Rondônia. “Eu estou trabalhando [para] o Expedito Júnior, o pró-labore foi cobrado um milhão e meio e três no êxito, né”, disse.
Ontem, Borges e Expedito, por meio de suas assessorias, negaram o pagamento de R$ 4,5 milhões. Alegando confidencialidade, não revelaram o preço pago. O genro do ministro do STF também é um dos advogados de Expedito no caso da Ficha Limpa”.
Desde que essa reportagem foi anunciada, mudou completamente o comportamento de Ayres Britto. Tornou-se o mais intimorato defensor da liberdade de imprensa, como valor absoluto, e nunca mais foi incomodado por denúncias. Muito provavelmente foi vítima da armação do genro, mas pouco importa.
Antes de se aposentar, cria a tal brigada com integrantes das principais associações de mídia, para defendê-los de quem ousar buscar reparação na Justiça contra as injustiças de que tenha sido vítima.
Ayres Britto resolveu seus problemas com a imprensa, à custa do comprometimento dos direitos de centenas de vítimas dos assassinatos de reputação.
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Do site da Folha (CRISTINA GRILLO/DENISE MENCHEN): Insatisfeito com a jurisprudência alemã – que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito -, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin – O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
Folha – É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
Folha – O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
Folha – A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.
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