JUSTIÇA

Um dos casos previstos de crime de responsabilidade para juízes e membros do MP é o de opinar em meios de comunicação sobre os processos em julgamento
Os deputados em Brasília aprovaram nessa terça-feira (29) o PL 4850, que prevê a tipificação do crime eleitoral de caixa dois, a criminalização do eleitor pela venda do voto e a transformação de corrupção que envolve valores superiores a 10 mil salários mínimos em crime hediondo.
No PL, foi aprovada também uma emenda que responsabiliza juízes e membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária, proferir julgamento quando deva se considerar impedido; e falar em meios de comunicação opinião sobre os processos em julgamento
Entre os crimes de responsabilidade contra membros do Ministério Público destaca-se a instauração de procedimento sem indícios mínimos da prática de delito.
A íntegra do PL pode ser lida aqui.
Leia a seguir a matéria do site da Câmara:
DO SITE DA CÂMARA DE DEPUTADOS (29): O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (30), o projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4850/16), que prevê a tipificação do crime eleitoral de caixa dois, a criminalização do eleitor pela venda do voto e a transformação de corrupção que envolve valores superiores a 10 mil salários mínimos em crime hediondo. A matéria, aprovada por 450 votos a 1, será enviada ao Senado.
De acordo com o texto, do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o caixa dois eleitoral é caracterizado como o ato de arrecadar, receber ou gastar recursos de forma paralela à contabilidade exigida pela lei eleitoral. A pena será de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Se os recursos forem provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral ou partidária, a pena é aumentada de um terço.
Vender voto
O eleitor que negociar seu voto ou propuser a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou qualquer outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Crime hediondo
Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos vigentes à época do fato.
Incluem-se nesse caso o peculato, a inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, o excesso de exação qualificado pelo desvio, a corrupção passiva, a corrupção ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional.
Juízes e promotores
A principal mudança feita pelos deputados ocorreu por meio de emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), aprovada por 313 votos a 132 e 5 abstenções. Ela prevê casos de responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária.
Divulgação de opinião
No caso dos magistrados, também constituirão crimes de responsabilidade proferir julgamento quando, por lei, deva se considerar impedido; e expressar por meios de comunicação opinião sobre processo em julgamento. A pena será de reclusão de seis meses a dois anos e multa.
Qualquer cidadão poderá representar contra magistrado perante o tribunal ao qual está subordinado. Se o Ministério Público não apresentar a ação pública no prazo legal, o lesado pelo ato poderá oferecer queixa subsidiária, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano para defender os direitos humanos ou liberdades civis.
Ministério Público
Entre os outros atos que poderão ensejar ação por crime de responsabilidade contra membros do Ministério Público destacam-se a instauração de procedimento “sem indícios mínimos da prática de algum delito” e a manifestação de opinião, por qualquer meio de comunicação, sobre processo pendente de atuação do Ministério Público ou juízo depreciativo sobre manifestações funcionais.
A pena e a forma de apresentação da queixa seguem as mesmas regras estipuladas para o crime atribuível ao magistrado.
Acusação temerária
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) também é modificada pela emenda aprovada para prever como crime a proposição de ação contra agente público ou terceiro beneficiário com ato classificado como “temerário”. A pena é aumentada de detenção de seis a dez meses para reclusão de seis meses a dois anos.
Ação civil pública
A emenda de Rocha prevê ainda que, nas ações civis públicas “propostas temerariamente por comprovada má-fé, com finalidade de promoção pessoal ou por perseguição política”, a associação autora da ação ou o membro do Ministério Público será condenado ao pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios.
JUSTIÇA

Ministro do TST Vieira de Mello: “O Direito do Trabalho é um elemento da ordem jurídica que cria harmonia, dá prevalência à dignidade do trabalhador. O cidadão puramente com seus direitos políticos não é capaz de realizar sua plena identidade, ele tem de trabalhar para que tenha existência digna”
DO SITE REDE BRASIL ATUAL (23/11) – São Paulo: Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 2006, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, mineiro de Belo Horizonte, 55 anos, é uma das vozes críticas do Judiciário às ideias de flexibilização da legislação. Considera “falácia” a afirmação de que mexer nas leis criaria condições para o crescimento e a criação de empregos. “Qual é a base empírica dessa informação? Nenhuma, zero”, reage. Também critica o projeto de terceirização (PLC 30) prestes a ser votado no Senado. “Rompe a lógica do Direito do Trabalho, porque diz que o ser humano passa a ser mercadoria.”
Juiz há 30 anos – seu pai exerceu a mesma função por mais de quatro décadas –, Vieira de Mello lembra das origens do Direito do Trabalho, e seus princípios sociais, ao refutar outra afirmação comumente repetida, inclusive pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de que o ramo trabalhista do Judiciário age de forma protecionista em favor do trabalhador. É a lei que protege, afirma, lembrando que se trata de uma relação entre desiguais.
Ele cita dado do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual quase 70% das ações referem-se a verbas rescisórias. “Onde é que está o excesso de proteção?”, questiona. O magistrado foi um dos 18 juízes do TST, de um total de 27, a assinar ofício endereçado à presidenta do STF, Cármen Lúcia, criticando Gilmar Mendes por ataques à Justiça do Trabalho. A reação mostra que há uma posição majoritária no ramo trabalhista contra os ataques vindos de setores defensores da flexibilização. “Não é análise de mercado que vai ditar o funcionamento de uma sociedade. Porque quando você parte de uma premissa de que o mercado se tornou mais importante que o direito, então necessariamente acabou o direito, porque o pensamento é todo econômico.”
O ministro também manifesta preocupação com uma decisão de Mendes, que deu liminar a uma entidade patronal suspendendo os efeitos de Súmula 277, do TST. O texto mantém a validade de convenções e acordos coletivos mesmo após a vigência, até a renovação. Ele observa que em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), como no caso, a decisão monocrática (de um juiz) só cabe em casos de extrema urgência. Em relação à 277, a liminar foi dada depois de dois anos. Não há urgência alguma, diz o juiz do TST. “É a conveniência de quem decidiu”, afirma.
Vieira de Mello considera temerário que o STF se debruce sobre temas trabalhistas. “Penso eu que não deveria o Supremo avançar sobre isso. Essa é uma questão que deveria o Parlamento resolver de alguma maneira. A decisão ataca um ponto, mas não as consequências que vão decorrer dessa decisão. São inúmeras, seja quanto à terceirização ampla, seja quanto negociado sobre o legislado. Tem inúmeras repercussões que não se fecham a partir da decisão judicial, que deveriam ser legislativas.”
Era uma norma (Súmula 277) que dava segurança às partes, inclusive o setor patronal?
Para ambas. Porque se você também mantém o que estava, evita os dissídios de greve. E possibilita que o empregado possa reivindicar mais ou rever alguma outra coisa que esteja incompatível com o momento que a empresa ou a categoria esteja vivendo. Você parte da ideia de que o contrato é de prestação sucessiva. Como é que num dado momento vai a zero, e aí você aguarda o julgamento de dissídios que demoram, para depois ter efeitos retroativos?
A categoria fica desprotegida…
Qualquer contato que você celebre com pessoa física ele segue, ele nunca vai a zero. Aqui na Justiça do Trabalho estamos diante disso de novo, contrato em que vai ao marco zero.
Tem se falado muito sobre um suposto protecionismo da Justiça do Trabalho, que de alguma maneira protegeria o trabalhador e prejudicaria as empresas. Como o senhor vê essa questão? A Justiça do Trabalho, por sua natureza, é protecionista, quer dizer, ela está cumprindo o seu papel?
Veja, vamos tentar colocar as categorias cada qual em sua prateleira. A legislação trabalhista nasceu como uma legislação que surgiu e se afastou do Direito Civil, porque tinha como escopo a regulamentação de uma relação jurídica assimétrica. Não há como se estabelecer prestações comutativas desse contrato, porque não há igualdade entre empregado e empregador – e nunca haverá. Então, ela é, por sua substância, uma legislação de ordem pública, ou seja, é inderrogável e irrenunciável.
Se é inderrogável e irrenunciável, o descumprimento dessa legislação gera a atuação da Justiça do Trabalho como forma de proteger o trabalhador materialmente. Então, não é a Justiça que está protegendo os trabalhadores, a lei protege, porque protege uma relação assimétrica, de desigualdade, de subordinação. Quando você ingressa num patamar de aferição de igualdade econômica no Brasil, hoje o nosso é um dos países que tem maior índice de desigualdade social.
Como é que se pode falar que o empregador e o empregado estão em igualdade de condições? É melhor, então, revogar a legislação trabalhista e vamos deixar o Direito Civil, de onde ele veio, como um ramo anárquico àquele, porque no Direito Civil civil se previa uma igualdade. Eu não consigo raciocinar com essa máxima que foi colocada.
Agora, você diz que os empregadores se queixam… O problema é que eles têm a capacidade de unificar uma queixa, que os trabalhadores não têm. Porque, se nós formos aferir, o grau de descumprimento da legislação trabalhista é altíssimo. Isso não foi considerado nesse análise. E não teria nenhuma sanção ao descumprir a lei?
Quando o juiz interpreta o comando da lei, que é imperativo, ele está protegendo?
Essa é a obrigação do juiz do Trabalho. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) soltou recentemente uma estatística em que 68% das reclamações trabalhistas dizem respeito a verbas rescisórias e uma parcela salarial, ou salário-família, FGTS, seguro-desemprego ou uma prestação salarial não paga. Onde é que está o excesso de proteção, se quase 70% das ações dizem respeito a uma verba rescisória? Quer dizer, o discurso não fecha e torna-se falacioso.
O senhor falou que é melhor, então, revogar o Direito do Trabalho. Será que não é isso que alguns setores querem?
É exatamente isso que eles querem. Com esse discurso falacioso, só pode voltar para esse prisma. Se eu disser que a negociação coletiva vai resolver tudo… Qual a necessidade de uma norma jurídica de ordem pública se eu posso negociá-la, desde que seja o sindicato? E como é que o sindicato pode negociar se a representatividade dele é questionada, e eu não posso questionar minha representatividade, embora a Constituição diga que eu não sou obrigado a me filiar? O jogo está todo torto. Não tem como você vir com um discurso de purismo, que o sindicato representa… Alguns, sim, uma pequena parcela no Brasil tem essa representatividade, essa expressividade, mas não 80% ou 90% deles. Era preciso mudar isso tudo para que pudéssemos ter uma verdadeira legitimidade que decorreria da representatividade, e não da autoridade de uma lei.
Quer dizer, fazer primeiro uma reforma sindical…
Para que possamos estabelecer esses parâmetros. E, de outro lado, quando se fundamentam as convenções coletivas e os acordos, apenas se tem o estabelecimento de cláusulas, não diz o que aconteceu no passado. É o que eu disse, você rompe a cadeia, dizendo que vai ao marco zero quando termina o prazo de vigência. Porque não tem mais história, é como se eu afastasse a história da categoria.
Ainda não há previsão de quando o pleno do Supremo julgue isso, qual o cenário para as categorias que têm data-base, por exemplo, nos primeiros meses de 2017?
A partir da liminar, tudo já caiu. Todo o instrumento coletivo cuja vigência se encontrar após a decisão da liminar foi a zero, todo, até que ele (Gilmar Mendes) coloque o processo para apreciação do plenário. E mais: na ADPF somente matéria de extrema urgência é que deveria ser decidida monocraticamente, há uma restrição legal. E não obstante a matéria foi decidida monocraticamente depois de dois anos.
Não temos uma Constituição liberal nem social. Ela estabelece como fundamento da ordem jurídica a dignidade da pessoa humana, e em seu outro inciso a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Ou seja, ela faz um equilíbrio.
Isso eu iria perguntar: qual a urgência que se apresenta, depois de tanto tempo?
Nenhuma. É a conveniência de quem decidiu.
Na semana passada, em São Paulo, houve um encontro nacional de advogados trabalhistas. E a avaliação de consenso é de que a Justiça do Trabalho está sendo atacada por ser vista como empecilho para as reformas, para a flexibilização da lei, para a terceirização. O sr. também vê isso?
É preciso que nós tenhamos um marco inicial para raciocinar em torno desse tema. O marco inicial, na minha concepção, é o seguinte: estamos numa Constituição, num Estado democrático de direito. Não temos uma Constituição liberal e nem temos uma Constituição social. Essa Constituição estabeleceu como fundamento da ordem jurídica a dignidade da pessoa humana, e em seu outro inciso a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Ou seja, ela faz um equilíbrio. Eu não estou num Estado liberal, porque senão seria livre iniciativa, e não estou num Estado social porque seria exclusive a valorização do trabalho humano.
Então, o Direito do Trabalho é um elemento da ordem jurídica que cria uma harmonia porque dá prevalência à dignidade do trabalhador, a sua identidade como trabalhador – porque o cidadão puramente com seus direitos políticos não é capaz de realizar sua plena identidade, ele tem de trabalhar para que tenha uma existência digna. Aí se diz o seguinte: a Justiça do Trabalho tem obstaculizado o desenvolvimento do país, porque se flexibilizar o país terá mais condições de crescimento.
Duas falácias. Primeira falácia: a legislação trabalhista não é rígida, e sabemos que não é, posso despedir, tem denúncia vazia, tem uma série de coisas. Só tenho as garantias mínimas inscritas na Constituição, ela já sofreu inúmeras reformas. E, de outro lado, você diz que se houver flexibilização nós teremos mais emprego. Qual é a base empírica dessa informação? Zero. Nenhuma.
Não há nenhum estudo científico que diga que se houver flexibilização, vamos ter mais emprego e mais garantia de emprego. Ao contrário, quando você teve um país em que havia um menor índice de desemprego e uma empregabilidade alta, com reconhecimento, nós tínhamos, primeiro, circulação de dinheiro no mercado, e com isso você tinha uma inversão econômica que possibilitava um desempenho melhor, inclusive observando mercado interno.
De outro lado, você tem uma possibilidade de que as classes sociais ascendam em razão da constituição de configurações sociais, políticas e jurídicas novas, a partir do trabalho. Agora, se eu não tenho nada, isso vai ser a melhor para a economia? Ou se eu precarizar todo mundo, colocar todo mundo ganhando salário mínimo, que é o que vai ocorrer, e todas as construções históricas dessas categorias vão desaparecer? Porque não vai sobrar nada, todo mundo vai ser terceirizado.
Porque eu vou te contratar como jornalista se eu posso contratar como terceirizado? Isso vai fazer com que se estabeleçam melhores condições aqui no Brasil? Tem dois livros do Joseph Stiglitz (economista norte-americano, vencedor do prêmio Nobel em 2001), agora estudando a economia americana, ele diz que isso tudo é uma balela: se não houver uma inserção do trabalhador no âmbito das empresas, com uma sensação de pertencimento, não haverá economia, porque acabou a classe média americana, em razão desse raciocínio.
Eu queria que alguém provasse que flexibilizar cria empregos. O que vamos ter é o seguinte: dentro da classe de empregos formais reconhecidos, os terceirizados vão subir de 12% para quase o total.
Olha o que se fez em Portugal, na Espanha, na Itália, na Grécia, com relação às reformas que vieram precarizar as relações de trabalho. O resultado está lá. Você vai a Portugal, o país está recrutando idosos do mundo inteiro para morar lá, porque os jovens foram embora, todos os contratos são a prazo certo. Que economia é essa? Eu queria que alguém provasse que flexibilizando teremos mais empregos. O que nós vamos ter é o seguinte: dentro da classe de empregos formais reconhecidos, os terceirizados vão subir de 12% para quase o total.
Nós tínhamos é de estabelecer uma legislação que desse maiores garantias a esses terceirizados, e aí a reforma sindical poderia ajudar, porque se eles se integrassem num ramo de atividade teriam maior força de negociação, mas você dissolveu a categoria profissional, ela vai ficar desmembrando em não sei quantos sindicatos.
Com esse projeto que está para ser votado no Senado…
Esse projeto de terceirização rompe a lógica do Direito do Trabalho, porque diz o seguinte: o ser humano passa a ser uma mercadoria. Eu tenho uma empresa para locar ser humano, e a razão pela qual o Direito do Trabalho nasceu foi para dizer que isso não poderia acontecer. Qual a atividade da sua empresa? Locar ser humano.
Essa questão está nos princípios da OIT (Organização Internacional do Trabalho), não é?
Isso é o princípio básico que gerou toda a legislação trabalhista. O Código Civil falava em locação de mão de obra, que foi aí que nós surgimos. Revogaram isso e apareceu o Direito do Trabalho. Agora, o que está acontecendo? É o Direito do Trabalho voltando para o Direito Civil, com uma roupagem nova.
É um passo, ou muitos, para trás?
De muitos séculos, diria eu.
Esse ofício que os senhores encaminharam ao Supremo, a maior parte dos ministros do TST, mostra que dentro do Judiciário há uma reação contra isso, digamos majoritária?
É majoritária. Sem dúvida, no Judiciário trabalhista, há expressiva maioria no sentido da proteção do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Veja, ninguém está defendendo causa própria. Se alguma coisa mudar, obviamente tudo vai ser realocado, todos nós. Estamos defendendo é um ideal de um país mais justo. A nossa ideia é que não se pode viver sob a égide de uma Constituição liberal econômica. Não é análise de mercado que vai ditar o funcionamento de uma sociedade. Porque quando você parte de uma premissa de que o mercado se tornou mais importante que o Direito, então necessariamente acabou o Direito, porque o pensamento é todo econômico. Isso é o liberalismo clássico de centenas de anos atrás, e é o que estamos vivendo, incrivelmente, no século 21, o retorno à prevalência do mercado sobre o próprio Direito.
Como é se pode imaginar uma sociedade em que vamos ver um retorno quase ao século 19, em que o trabalhador vai trabalhar 12 horas, sabe-se lá, tem crianças, adolescente, jovens… Isso é barbárie
E não é só o Direito do Trabalho, que é o primeiro ponto. Depois vai ter o ambiental, tudo vai se justificar por força do desenvolvimento, então vamos acabar com tudo, desmatar tudo, acabar com os rios. Olha o resultado da Samarco aí, a importância de uma legislação e de ordem pública, que preserva valores difusos. Como é que se pode imaginar uma sociedade em que nós vamos ver um retorno quase ao século 19, em que o trabalhador vai trabalhar 12 horas, sabe-se lá, tem crianças, adolescente, jovens… Isso é barbárie.
Estamos no século 21, o homem já desenvolveu tecnologias expressivas, de conhecimento, de evolução, quando se falava que a ideia era aproximar-se do maior número de horas de lazer, estamos voltando pra estaca zero, uma elite de 1% que tem o equivalente a 90% da população. É esse o país que nós queremos? Eu sou juiz, meus filhos estão estudando para fazer concurso, trabalham. Quem vai ser sugado por esse efeito, que é como se você destampasse uma piscina e a água descesse toda, é a classe média. O filho da classe média vai ser terceirizado. A não ser que ele seja um gênio e tenha expressividade, aí ele vai conseguir um espaço diferenciado no mercado. Então, estamos caminhando para esse futuro a meu juízo nefasto, triste, em que a sociedade vai ser dividida em duas castas. Uma minoria, que é dona de tudo, e o resto, que trabalha para comer, para sobreviver.
Há algumas matérias no Supremo relativas à terceirização ou ao negociado sobre o legislado. É possível evitar que elas prosperem?
Veja bem, não seria esse o papel do Judiciário. Penso eu que não deveria o Supremo avançar sobre isso. Essa é uma questão que deveria o Parlamento resolver de alguma maneira. A decisão ataca um ponto, mas não as consequências que vão decorrer dessa decisão. São inúmeras, seja quanto à terceirização ampla, seja quanto negociado sobre o legislado. Tem inúmeras repercussões que não se fecham a partir da decisão judicial, que deveriam ser legislativas. A desconstrução das categorias, como é que se resolve isso, quem representa quem? O que faz com a pulverização, com a convenção coletiva, com as vigências de prazo? Tem uma série de coisas que dependem de uma reforma legislativa. Acho que o prudente seria deixar com que o Parlamento resolvesse. Bem ou mal, ele resolveria de um jeito ou de outro, e aí far-se-ia o controle de condicionalidade, ou de ilegalidade de A ou de B nas circunstâncias que se apresentarem. Agora, o risco desse ativismo é muito complexo. Por mais que haja uma boa intenção, uma necessidade, uma aparência de que é extremamente importante, mas isso é um pilar, uma coluna de um grande edifício sustentado por várias colunas. Se tirar uma, corre o risco de tudo cair.
Entre os seus pares no Tribunal Superior, qual é o sentimento?
Veja, nós somos juízes. Se o Supremo vier a decidir, nós vamos acatar e ver como ficará todo o sistema. Vamos ter de fazer uma reconstrução por meio da interpretação a partir daquilo que for decidido. Agora, o que nós estamos tentando é alertar a sociedade que não estamos defendendo interesses próprios, mas interesses da própria sociedade. A legislação trabalhista foi uma construção de muitas lutas sociais, não foi edificada simplesmente porque o Parlamento quis. É uma coisa que historicamente tem de ser tratada com certo equilíbrio, porque ora vamos ter governos mais liberais, ora mais sociais, e aí a lei não vai ficar indo e voltando. Então, uma reconstrução deveria se dar pela ordem legislativa, levando em conta tudo que se construir ao longo de anos, e não do interesse momentâneo ou oportuno como se fosse uma norma de Direito Financeiro ou Tributário para resolver uma questão temporal. O Direito do Trabalho é atemporal.
Leia também: ‘Por pressão da CUT, terceirização é adiada no Senado Federal’
GERAIS

Modesto da Silveira faleceu aos 89 anos
Faleceu hoje (22) o grande advogado Antonio Modesto da Silveira, aos 89 anos. Seu corpo será velado na sede da OAB-RJ nesta tarde.
A direção do Sindicato se solidariza com os amigos e parentes de Modesto, um advogado que sempre esteve na linha de frente da luta pela democracia em nosso país.
Modesto inclusive participou e discursou no ato dos advogados em defesa de democracia e contra o impeachment da presidente Dilma, em março, que ocorreu na CAARJ.
Leia também o artigo do jornalista Fernando Brito sobre Modesto.
A seguir, transcrevemos a notícia publicada no site da OAB, que traz a biografia de Modesto:
Conhecido como o advogado que mais defendeu presos políticos durante a ditadura, Antônio Modesto da Silveira faleceu nesta terça-feira, dia 22 de novembro, aos 89 anos.
No mundo do Direito, seu nome está profundamente ligado à defesa das liberdades democráticas. Para o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, Modesto da Silveira era “um dos grandes defensores da democracia” no país. “Foi advogado no período mais terrível da nossa história, defensor dos perseguidos políticos. Foi deputado federal eleito basicamente pelos defensores da anistia, das liberdades. Sempre se pautou por uma conduta ética de grande correção. Pessoalmente, tenho muita gratidão, pois ele foi advogado da minha família durante a ditadura, do caso do desaparecimento do meu pai. Um homem que deixou como exemplo um modelo de advocacia para que possamos seguir”, disse Felipe.
Mineiro de Uberaba, Antônio Modesto da Silveira nasceu em 23 de Janeiro de 1927. Filho de Joaquim Modesto da Silveira e de Elvira Modesto da Silveira, lavradores sem-terra, em 1948 veio para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para concluir o ensino secundário. Em 1962, formou-se em Direito pela antiga Universidade do Brasil. Dois anos depois, com o golpe civil-militar, tornou-se desde o primeiro dia defensor de presos e sequestrados políticos. É considerado o advogado que mais defendeu os perseguidos pelo regime autoritário de 1964-1985.
Eleito deputado federal mais votado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1978, foi um dos articuladores da Lei de Anistia, aprovada no ano seguinte. Sua plataforma baseava-se, entre outros pontos, na defesa do estabelecimento de uma Assembleia Nacional Constituinte, na luta pela anistia, pelo fim da censura, pela autonomia e liberdades sindicais e pelo direito de greve.
No início da década de 1970, tornou-se advogado voluntário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Foi membro do Conselho Brasileiro da Defesa da Paz (Condepaz), do Conselho Mundial da Paz (CMP) e da Comissão de Ética Pública do governo federal, entre outras atividades ligadas à defesa dos direitos humanos.
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