ARTIGO CRITICA A CRIAÇÃO DE CURSO TÉCNICO EM SERVIÇOS JURÍDICOS

Publicamos artigo dos advogados Hugo Ottati e Ítalo Pires Aguiar em que analisam a criação do curso de Técnico em Serviços Jurídicos. Para os articulistas, o curso afeta “não apenas os profissionais do Direito, mas também contabilistas, administradores e psicólogos”. Leia o artigo a seguir:

CURSO TÉCNICO EM SERVIÇOS JURÍDICO, PRIMEIRAS IMPRESSÕES*

*Artigo de Ítalo Pires Aguiar e Hugo Ottati 

Já consta no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) o curso de Técnico em Serviços Jurídicos, como noticiaram diversos portais de notícias jurídicas recentemente. O interesse na criação desse curso não é uma novidade e nem um desejo recente do governo federal, através do Ministério da Educação, por mais que seja nítido o interesse do governo Bolsonaro na pauta. Vale lembrar que essa discussão ganhou repercussão em 2017, quando o Ministério da Educação homologou parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), aprovando o início das aulas do curso de tecnólogo em serviços jurídicos em uma faculdade do Paraná.
O curso, segundo informações do site do CNCT, visa preparar profissional para executar atividades administrativas de planejamento, organização, direção e controle em rotinas de escritórios de advocacia e demais organizações que disponham de departamento jurídico; prestar suporte e apoio técnico-administrativo a profissionais da área jurídica; acompanhar, gerenciar e arquivar documentos e processos de natureza jurídica e prestar atendimento receptivo ao público.

Dentre os campos de atuação, o site ainda destaca que o curso habilita para atuar em escritórios de advocacia; departamentos jurídicos; cartórios judiciais e extrajudiciais; departamentos de recursos humanos, financeiro e contábil e em serviços de atendimento ao cliente. Portanto, afeta não apenas os profissionais do direito, mas também contabilistas, administradores e psicólogos.

Com uma das maiores densidades populacionais de advogados do mundo, o maior índice de bacharéis em direito, e com o maior número de instituições de ensino jurídico do globo [1], a advocacia vive momentos difíceis no contexto de precarização das relações laborais, promovida por um conjunto de fatores econômicos, sociais e políticos da conjuntura, que refletem mudanças substantivas no padrão de acumulação do capital. Pode-se dizer que o curso de Técnico em Serviços Jurídicos promete contribuir para aprofundar esse processo, tornando-o ainda mais cruel com os advogados e as advogadas.

Percebe-se, a partir da leitura do campo de atuação e das atividades compreendidas no rol de formação do técnico em serviços jurídicos, que não há um limite preciso e bem demarcado em relação às atividades hoje exercidas por profissionais da advocacia ou bacharéis em direito. Pelo contrário, é possível observar que há uma colisão com as atribuições dispostas na Lei n° 8.906/94, privativas da advocacia.

Assim, a criação de uma categoria intermediária de prestação de serviços na esfera jurídica revela o risco iminente de uma contínua substituição de profissionais diplomados no curso de direito e devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pode provocar não só um barateamento da mão de obra em determinados setores da área, mas uma pressão ainda maior ao enorme contingente de advogados e advogadas desempregadas, inseridos na “viração” [2] generalizada em busca da sobrevivência.

Em meio a um índice gritante e em contínuo crescimento de desemprego no país, que, diga-se de passagem, também atinge a advocacia, busca-se lançar ao mercado de trabalho um excessivo quantitativo de técnicos “paralegais”, a atenderem demandas e desempenharem tarefas hoje privativas da advocacia, no caminho da retirada de direitos e da precarização do trabalho, ao revés da necessária valorização profissional da proletária advocacia.

Na esfera pública, abre-se margem ainda à terceirização na parte do serviço técnico-administrativo das serventias judiciais, nos Tribunais de Justiça pelo país, a partir de empresas que se constituam tendo por objeto a disposição de mão de obra técnica em serviços jurídicos, secundarizando o concurso público como via constitucionalmente imprescindível para o ingresso no serviço público.

Por fim, resta dizer que o presente texto não visa desqualificar os trabalhadores e as trabalhadoras que eventualmente concluíssem o respectivo curso técnico em serviços jurídicos, mas tão somente demonstrar como tal investida, no bojo de uma agenda econômica ultraliberal aplicada atualmente no país, torna-se um perigo para o conjunto da sociedade, impondo movimentações extremamente prejudiciais à classe trabalhadora no contexto de desemprego e de generalização de uma polivalência precária que guia o trabalho informal, provocando o barateamento da mão de obra, a precarização das relações laborais e a fragilização de direitos fundamentais, na solidificação de um terreno mais propício à exploração humana, maximização dos lucros e acumulação de capital. Esses aspectos não podem ser negligenciados no debate sobre o Curso Técnico em Serviços Jurídicos.

[1] LUPION, B. Por que o Brasil tem tantos advogados. Nexo Expresso Jornal. Publicado em 02/01/2017;

[2] A “viração”, conceito utilizado pela pesquisadora Ludmila Costhek Abílio, que define a provisoriedade das ocupações que garantem a sobrevivência, em atividades que transitam entre diversos tipos de trabalhos, ”bicos” e ocupações extremamente vulneráveis que estruturam a vida de muitos, incluindo advogados e advogadas, vide o quantitativo de profissionais que laboram, seja como atividade principal, ou como complemento de renda, em correspondência jurídica, realização de audiências e outras tarefas pontuais.

Hugo Ottati é advogado sindical e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB RJ

Ítalo Pires Aguiar é diretor do Sindicato dos Advogados RJ (SAERJ), conselheiro e secretário da Comissão de Direitos Humanos da OAB RJ

ARTIGO DEBATE A ESCOLHA ENTRE A ADVOCACIA AUTÔNOMA OU A SOCIEDADE UNIPESSOAL

Publicamos o artigo dos diretores do Sindicato dos Advogados RJ (SAERJ), Ítalo Pires Aguiar e Tiago de Mello Cunha, sobre a importância dos advogados realizarem o debate sobre se devem formalizar uma sociedade ou se manterem autônomos. Os autores não têm duvida de que a primeira opção, principalmente em relação à tributação, é a melhor decisão. Leia o artigo a seguir:

O DILEMA DA ADVOCACIA AUTÔNOMA OU ATRAVÉS DE SOCIEDADE UNIPESSOAL*

*Artigo de Ítalo Pires Aguiar e Tiago de Mello Cunha

Assim como o mês de dezembro é o mês em que, geralmente, fazemos um cuidadoso balanço das nossas condutas, inclusive das profissionais, o mês de janeiro é aquele no qual nos organizamos para dar conta dos novos projetos. Para a advocacia não é diferente, janeiro é o momento em que a maioria de nós busca organizar sua atuação profissional para dar conta do planejamento que foi fruto das reflexões de dezembro.

Dentre os muitos temas que afetam a advocacia de pequeno e médio porte, o debate sobre os ônus e os bônus da formalização da sociedade é um dos principais. Porém, antes de inauguramos reflexões sobre esse ponto, é fundamental que entendamos o desenvolvimento de nossa advocacia a partir de elementos básicos de organização, incluindo a perspectiva de perceber nossa pequena banca como uma unidade de organização produtiva, que deverá se preocupar em planejar o caminhar de seu escritório, entendendo para que lugar pretende levá-lo, pois: “Se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve” (Lweis Carrol)

Após entender a necessidade de aplicar aspectos básicos de gestão no seu escritório, entendendo que a preocupação como gestor da nossa banca deve ser o de majorar a receita, minorando os gastos, desenvolvendo a parte técnica e seguindo o planejamento previamente estabelecido, gostaríamos de trazer uma ponderação crucial no momento de decidir pela formalização da pequena banca ou da atuação autônoma: os aspectos tributários.

Neste sentido, gostaríamos de apontar as diferenças tributárias entre a advocacia inteiramente autônoma e a advocacia exercida através de uma sociedade unipessoal, pessoa jurídica de direito privado, de finalidade exclusiva e constituída por um único advogado no quadro societário.

Até a promulgação da Lei 13.247/16 que incluiu a sociedade unipessoal no Estatuto da Advocacia, o advogado com atuação profissional isolada de uma parceria, formal ou informal, com outro colega poderia ser tributado em até 27,5%, conforme os parâmetros do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF.  Já através da sociedade unipessoal, a tabela de tributação tem como parâmetro inicial os generosos 4,5%.

Além disso, todos os impostos (PIS, COFINS, ISS, CSLL e IRPJ) são reunidos em uma única guia, facilitando o pagamento e o controle dos valores. Outra facilidade é a possibilidade de acesso ao crédito através de parâmetros diferenciados, uma vez que a análise de juros é baseada na capacidade financeira de uma pessoa jurídica e não na de um profissional autônomo.

Por fim, destacamos que a sociedade unipessoal permite à advocacia alcançar nichos profissionais que demandam maior formalidade como, por exemplo, as licitações públicas e as disputas organizadas por pessoas jurídicas para escolha dos escritórios que possam atender suas demandas jurídicas. Esses são apenas dois exemplos. Mas, para não cansar o leitor, ficaremos apenas com eles.

Por certo não temos a intenção de desqualificar o advogado com atuação autônoma, mas destacar as facilidades, especialmente as tributárias, possibilitadas pela constituição de uma sociedade unipessoal. Assim, com esse breve texto, pretendemos auxiliar os colegas que estão diante desse dilema nesse início de ano a realizarem a melhor escolha para consolidar e ampliar sua advocacia.

Tiago de Mello Cunha é diretor do SAERJ e integrante do IBPEA e da comissão de qualificação da gestão de pequenos e médios escritórios (OAB/RJ)

Ítalo Pires Aguiar é diretor do SAERJ, integrante do IBPEA e da comissão de qualificação da gestão de pequenos e médios escritórios (OAB/RJ)