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Em artigo publicado na folha de S. Paulo em 03/08, o relator da CPMI do Cachoeira, deputado federal Odair Cunha (PT/MG), afirma que a comissão está investigando mais de 500 contas, em dezenas de bancos: “Com uma base de dados cujo volume financeiro passa de R$ 18 bilhões”. Segue o artigo:
CPMI sem segredos:
Desde a sua criação na Inglaterra do século 17, comissões parlamentares de inquérito exercem, em diversos países, a sua principal função: investigar fatos que suscitaram o clamor da população.
Tal função por vezes se sobrepõe até à função de legislar. O primeiro-ministro britânico William Pitt chegou a definir o parlamento como o “grande inquiridor da nação”.
No Brasil, não é diferente. A função essencial das CPIs e CPMIs, definida na Constituição, é investigar fatos de interesse público. Assim, a população legitimamente espera que CPIs revelem a verdade sobre os fatos que motivaram sua existência.
Pelo mesmo motivo, a população também tem a expectativa de que as CPIs se comportem de forma republicana, e que a busca da verdade seja feita de modo a não proteger ou perseguir ninguém.
Aos poucos, mas de forma segura e bem embasada, a CPMI vai desvendando a intrincada e complexa rede de conexões financeiras e políticas que envolvem a organização criminosa chefiada por Carlos Cachoeira. Não tenho dúvida de que ao final dos trabalhos a verdade será revelada.
Dados preliminares mostram que as empresas fantasmas da organização criminosa aumentavam muito as movimentações financeiras em anos eleitorais. É motivo suficiente para que o Brasil adote o financiamento público de campanhas.
Essa é uma contribuição que a CPMI poderá dar ao país, além de outras advindas do desvendamento do modus operandi da quadrilha de Cachoeira com o poder público, por exemplo. Nesse sentido, os trabalhos têm buscado, com rigor, desvendar os vínculos da organização criminosa com agentes políticos.
Como relator, tenho obviamente de me concentrar na tarefa árdua e discreta de investigar, denunciar as incongruências das versões, procurar os fatos em meio à teia de hipóteses e lançar a luz da verdade naquele debate muitas vezes confuso.
Trata-se, portanto, de uma função eminentemente republicana, que demanda isenção, objetividade, empenho obsessivo e sobretudo foco nos objetivos definidos pela CPMI. É, por assim dizer, um trabalho de “formiga”, que por sua discrição e caráter técnico contrasta com a estridência dos alto-falantes de que as “cigarras” dispõem no debate político-midiático. Trata-se, da mesma forma, de um trabalho que tem exigências e tempos distintos daqueles demandados por esse debate.
As investigações, embora difíceis e inexoravelmente lentas, já apresentam resultados bastante significativos. Resultados que são baseados na análise da vasta documentação que chega diariamente aos cofres da CPMI, não em um suposto direcionamento político oportunista ou aventureiro. Já chegaram à CPI dados bancários e fiscais de mais de 40 pessoas ou empresas que o colegiado entende como suspeitas.
Esses dados são representados em 516 contas distribuídas por 21 bancos. Estamos trabalhando com uma base de dados cujo volume financeiro passa de R$ 18 bilhões. Vamos seguir a movimentação financeira até o exterior.
O trabalho hercúleo será revelador. Estamos também nos debruçando sobre milhares de horas de gravações da Polícia Federal. Além disso, muitas oitivas da CPMI lançaram luz sobre as conexões políticas da organização criminosa.
A verdade, quando brilha, ofusca mesmo a mentira mais engenhosamente construída. Aos poucos, ela vai se tornando evidente para todos, independentemente de opiniões individuais. Essa é a missão da CPMI: deixar a verdade vir à tona, deixá-la brilhar.
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Do site do Consultor Jurídico (Por Pedro Canário): O ministro José Carlos Moreira Alves não gosta de gravar entrevistas. Não que tenha o costume de se arrepender do que diz, ou que confie na habilidade de taquigrafar do interlocutor. Por algum motivo, não se sente à vontade diante de um gravador. Câmeras também não fazem seu gênero. Ele não esconde de ninguém sua antipatia pelas transmissões ao vivo das sessões do Supremo.
Quaisquer que sejam suas razões, o efeito prático o favorece: sem o aparelho, é redobrada a atenção de quem o entrevista às poucas, mas certeiras, palavras do ministro mais longevo que o Supremo Tribunal Federal já teve desde a existência da aposentadoria compulsória. De acordo com sua própria conta, foram 27 anos e dez meses na corte. Durante mais de dez, foi o decano.
Experiente, Moreira Alves fala para que suas palavras não precisem ser editadas. No bloquinho é difícil perceber, mas na hora de passar a limpo fica evidente. Todos os pontos e vírgulas estão onde deveriam estar. Mesmo assim, nunca parece satisfeito com o resultado de suas declarações. “Depois o senhor conserta a gramática”, diz, com mais rigor que insegurança, ao final de cada resposta. Mesmo sem querer ensinar, não perde o ar professoral.
Sua experiência não vem do contato constante com a imprensa. É um homem conhecido por sua aversão a falar em público fora da corte. Para conceder esta entrevista, perguntou os assuntos que seriam tratados, como seria publicado, qual é o tipo de leitor da ConJur etc. De posse dessas informações, perguntou se havia algum jeito de “adiantarmos a pauta”. Tinha, claro. As perguntas foram enviadas por e-mail e, antes do início da conversa, o ministro as leu mais uma vez.
Trata-se de um homem resistente. Foram necessários alguns encontros até que fosse possível abordá-lo e, timidamente, consultá-lo sobre uma entrevista. O primeiro deles foi em abril deste ano, quando o ministro foi convidado pelo departamento de Direito Civil da PUC de São Paulo para falar sobre o Código Civil de 2002, em comemoração aos dez anos do texto. Moreira Alves integrou, entre 1969 e 1975, a comissão que elaborou o anteprojeto de lei, só aprovado pelo Congresso 25 anos depois. Ficou responsável pela parte geral do código, que trata das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos.
O segundo encontro ocorreu em junho, em um jantar organizado pelo advogado Ricardo Sayeg, candidato à Presidência da OAB paulista. Lá estavam José Manoel de Arruda Alvim e Thereza de Arruda Alvim, casal de professores de renome da PUC-SP e amigos de Moreira Alves que intermediaram, desde abril, seus contatos com a redação da ConJur.
Era a oportunidade de conhecer Moreira Alves sem a costumeira tietagem à volta. Uma conversa, em que o ministro se mostrou bem humorado e disposto. Mas nada de caneta. Contou de sua coleção de livros (“uns 20 mil, sem exagerar”) e de sua avidez por leitura. Tentou comentar atualidades, mas àquela altura o mensalão já era a única atualidade do país.
Achou “difícil dizer” se é o maior escândalo político pelo qual o país já passou, mas “com certeza” não é o processo de mais repercussão que o Supremo já teve em mãos. “Uma ação penal ajuizada contra um ex-presidente da República é algo sem precedentes na história mundial”, disse, sobre a ação movida pelo Ministério Público Federal contra Fernando Collor de Mello, já depois do impeachment pelo Senado. Moreira Alves participou do julgamento como revisor e votou pela absolvição.
Votou pela absolvição, e foi acompanhado por outros quatro ministros. Venceu outros três. O resultado do julgamento levou fotos dos cinco vencedores a um mural na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. Ficaram classificados como “inimigos da pátria”, lembra Moreira Alves, com bom humor.
Quando falou sobre Collor, foi incisivo como raras vezes seria na entrevista, que só aconteceria uma semana depois. Entre as falas mais recorrentes estão “ah, não sei”, “acho difícil dizer” e “é melhor que eu não responda”. É um homem resistente.
E conservador. Não que seja necessário apontar o dedo e fazer qualquer juízo de valor sobre suas posições pessoais. Como decano por muitos anos, ele mesmo explica, tinha o costume de intervir nos votos de seus colegas e “lembrar a jurisprudência” do Supremo. A memória o tornou um conservador.
Mas há quem discorde. O ministro Gilmar Mendes, que foi companheiro de STF e aluno de Moreira Alves, é um deles. Em seu livro Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil, Gilmar atenta para uma grande contradição.
“Cumpre observar que não deixa de ser perturbador para muitos o fato de que o desenvolvimento e significativas conquistas relacionados com a jurisdição constitucional no Brasil estejam indelevelmente associados a um nome que a imprensa cotidiana costuma classificar como prócer maior das ideias conservadoras do Supremo Tribunal Federal. Talvez seja mais uma dessas esquisitices brasileiras, que, paradoxalmente, permita que significativos avanços e progressos advenham de inspiração pretensamente conservadora”, diz a conclusão do livro.
Já o hábito de intervir o deu a pecha de feroz. Diz-se até que o ministro Xavier de Albuquerque, colega de STF, não aguentou as discussões com o decano e deixou a corte. Reclamou ter desenvolvido uma úlcera. Moreira Alves ri: “Hoje em dia ele está muito mais bem conservado e saudável que eu”.
Apesar de “falar texto pronto”, Moreira Alves não é um homem de poucas palavras. Quem lembra de suas participações nos julgamentos do STF sabe disso. É que, aos 79 anos, duvida da importância dos detalhes de cada história que conta. Não é raro ouvir frases como “isso não interessa mais a ninguém”.
Quando está prestes a lembrar de uma história, para de falar e adota um olhar distante, como se consultasse os confins da memória. Reflete e dá a ordem: “Vou contar e depois o senhor dá um jeito de anotar”. E aí volta o olhar compenetrado e cortante de sempre.
É em um desses momentos que ele diz não fazer ideia da quantidade de votos que proferiu em seu longo mandato no STF. Faz desdém de números. Percebe a insistência na pergunta e revela: o Supremo recentemente enviou volumes com todos os seus votos. “Eram mais de 300 cadernos”, diz, sem fazer questão da precisão.
Mas é certo que ainda por muitos anos ele será o doutrinador que mais deixou digitais na interpretação em vigor da Constituição Federal. Não é pouco. As regras que se aplicam no país — “para o bem ou para o mal”, como diz ele — devem mais a ele do que a algumas centenas de legisladores, sem exagerar.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor já disse que toda corte suprema tem uma função também política. O senhor acha que essa função política mudou da época em que o senhor era ministro para hoje?
Moreira Alves — A função é política desde o momento em que se tem o Direito Constitucional. Por conta disso, são tomadas decisões judiciais de teor político, que não é obviamente a política partidária. Essa função política o Supremo sempre teve. Houve uma mudança do enfoque, que tem a ver com sua composição.
ConJur — Hoje o Supremo tem muito mais visibilidade entre os cidadãos comuns do que há 20 ou 30 anos. Como o senhor avalia esse fenômeno?
Moreira Alves — Isso decorre principalmente do televisionamento das sessões e da maior divulgação da atuação da corte pela mídia.
ConJur — A dinâmica das sessões do Supremo mudou?
Moreira Alves — Sim. A começar por decorrência da própria televisão. Os julgamentos se prolongaram pela extensão dos votos. Na minha época, eram menores. Hoje falam para aparecer mais na televisão.
ConJur — Essa divulgação também mostrou que acontecem discussões na corte, muitas vezes discussões bastante acaloradas.
Moreira Alves — Sempre houve discussão. Fui contra o televisionamento justamente para não dar a impressão de que a corte é uma arena de discussões, até acaloradas, dando o ensejo, aos que não têm trato com a Justiça, que elas são contrárias à postura da magistratura.
ConJur — Mas as discussões sempre foram assim animadas? O senhor, por exemplo, tinha o perfil de intervir nas falas e nos votos dos outros ministros.
Moreira Alves — Na minha época posso dizer que as discussões eram mais técnicas, ainda que acirradas. Como decano por muitos anos, eu intervinha para lembrar a jurisprudência da corte.
ConJur — O senhor acha que o papel principal de uma corte suprema deve ser essencialmente constitucional?
Moreira Alves — O papel principal de uma corte suprema é defender a Constituição, sendo que o que é infraconstitucional deve ser defendido pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso me parece correto, porque hoje, sem essa divisão, não haveria condições de julgar. Quando saí do Supremo, a cada ministro eram distribuídos 10 mil processos por ano. No STJ, o volume de trabalho é impressionante, apesar de serem 33 ministros.
ConJur — E o senhor lembra de alguma discussão importante, da qual o senhor tenha tido participação essencial?
Moreira Alves — Discussões houve muitas. Uma delas, por conta do FGTS, fez com que terminasse a discussão que abrangia centenas de milhares de recursos extraordinários. Era um debate do que seria direito adquirido e do que não seria no caso de alguns benefícios. As discussões em ações diretas de inconstitucionalidades foram importantes também. Houve debate sobre o problema das constituições estaduais que tinham artigos que eram cópias da Constituição Federal, mas que a interpretação do Tribunal de Justiça era diferente da interpretação que o Supremo Tribunal Federal dava ao texto federal. Eu fui relator desse caso, e se decidiu que essa interpretação poderia ser atacada no Supremo por meio de Recurso Extraordinário, o que então não era permitido, mas passou a ser.
ConJur — Em quase 30 anos, então, sua contribuição ao Supremo foi imensa, com certeza.
Moreira Alves — Ah, depois de tantos anos foram várias as minhas contribuições. O ministro Gilmar Mendes chegou a escrever um livro sobre as minhas contribuições em julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade. Esse livro tem mais de mil páginas. Pelo índice é possível ver a quantidade de acórdãos selecionados – e ali não estão todos.
ConJur — O senhor tem ideia de quantos acórdãos proferiu?
Moreira Alves — Recentemente chegaram em casa os volumes com as cópias de todos os meus acórdãos. Eram mais de 300.
ConJur — Tem interesse em publicá-los?
Moreira Alves — Os votos de maior interesse já foram publicados nas revistas trimestrais de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
ConJur — Para questões jurisprudenciais, o fato de a corte ter um ministro com quase 30 anos de casa é bom?
Moreira Alves — Sim. Como já salientei, eu intervinha muito nos votos dos colegas para lembrar a jurisprudência, e evitar mudanças de orientações consolidadas sem justa razão. Eu mesmo mudei alguns posicionamentos, de 20 ou 30 anos de idade, mas sempre quando havia motivo para isso.
ConJur — O senhor contou que teve três alunos no Supremo.
Moreira Alves — Foram quatro: o Celso de Mello na USP, o Carlos Alberto Menezes Direito no Rio e o Gilmar Mendes e o Joaquim Barbosa em Brasília.
ConJur — Conviveu com eles na corte?
Moreira Alves — Sim, com dois deles, o Celso e o Gilmar. O Carlos Direito assumiu depois e o Joaquim ocupou a minha vaga.
ConJur — E como é discutir com alunos?
Moreira Alves — Assim como discutir com qualquer ministro.
ConJur — O processo de escolha dos ministros dos governos civis é mais político do que durante os governos militares?
Moreira Alves — Difícil dizer a diferença entre civis e militares quando se trata de nomeação para o Supremo. Prefiro não fazer comparações.
ConJur — O senhor falou que o julgamento mais polêmico do qual participou foi o do presidente Fernando Collor.
Moreira Alves — Não foi o mais polêmico, mas o mais representativo. Uma ação penal ajuizada pelo Ministério Público contra um ex-presidente nunca havia acontecido na história do país. Ele já tinha sofrido o impeachment pelo Senado, presidido pelo ministro Sidnei Sanches. Depois, o Supremo julgou a ação penal ajuizada pelo Ministério Público. Eu era o revisor e votei pela absolvição por entender que a procuradoria não conseguiu comprovar nos autos os fatos que alegava.
ConJur — Enquanto estava no Supremo, o senhor julgou sob duas constituições.
Moreira Alves — Três. O Brasil já teve várias constituições. Primeiro a de 1824, que foi a do Império. Depois a de 1891, que foi a primeira da República. Veio então a de 1934, a primeira da Era Vargas, e depois a de 1937, também de Vargas. Em 1946 teve outra e depois da Revolução de 64 os militares fizeram outra, em 1967. Mas logo veio uma reforma, em 1969, que foi a Emenda Constitucional 1, outorgada pela Junta Militar. E ficamos quase 20 anos com essa, até que veio a de 1988, que é a atual.
ConJur — Mudou muito?
Moreira Alves — O trabalho de um tribunal como o Supremo é analisar a constitucionalidade das leis.
ConJur — É verdade que o senhor já ocupou a chefia dos três poderes?
Moreira Alves — Sim, pelas voltas que o destino dá. Fui presidente do Supremo, presidente da Constituinte nas suas duas primeiras sessões e presidente da República por três dias e meio, na época do presidente Sarney. Mas não outorguei nada nem viajei para lugar nenhum.
ConJur — O que o senhor acha dessas medidas para diminuir as possiblidades de recurso?
Moreira Alves — Acho que é uma questão de necessidade. Quando saí do tribunal recebíamos 10 mil processos por ano cada um. Era um número absurdo.
ConJur — Existe uma seção no site do Supremo que conta a história da corte. Ali diz que nos anos 1910 o STF passou por uma crise porque recebia cerca de mil processos por ano.
Moreira Alves — Foi a chamada crise dos recursos extraordinários, de dimensões muitíssimo menores que a do meu tempo de ministro.
ConJur — Voltaria pra julgar o mensalão, se pudesse?
Moreira Alves — Aposentados não podem voltar à atividade. E juiz não escolhe o caso que vai julgar.
ConJur — O senhor chegou a aplicar, no Supremo, o Código Civil de 2002, cujo anteprojeto o senhor ajudou a elaborar?
Moreira Alves — O código foi aprovado em 2002, eu aposentei em 2003. Peguei só o tempo em que a lei estava aprovada, mas estava esperando para entrar em vigor.
ConJur — E se chegasse um questionamento de artigo que o senhor escreveu?
Moreira Alves — Eu teria, se julgasse procedente, de ter a humildade de dizer: “Errei”.
ConJur — Com pouco mais de 30 anos, o senhor já era catedrático da Faculdade de Direito da USP e já integrava a comissão da reforma do Código Civil. Pode contar um pouco da sua trajetória?
Moreira Alves — Eu me formei bacharel na Faculdade Nacional de Direito, da antiga Universidade do Brasil [atual Universidade Federal do Rio de Janeiro], no Rio de Janeiro, em 1955. Fiz nessa faculdade tese de doutoramento em Direito Privado, e a defendi em abril de 1961. No mesmo ano, pouco depois, obtive a livre docência em Direito Romano, que mais tarde se estendeu ao Direito Civil. Isso ocorreu no fim do primeiro semestre de 1961, e em setembro do mesmo ano fiz concurso para catedrático de Direito Romano na Faculdade de Direito do USP, em São Paulo, no Largo de São Francisco. Fui classificado em segundo lugar. Mais tarde, em 68, fui primeiro colocado no concurso para catedrático de Direito Civil, também na USP. Em 1972, fui nomeado procurador-Geral da República, e exerci até junho de 1975, quando fui empossado ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo que desempenhei por 27 anos e 10 meses.
ConJur — Foi o ministro que ficou mais tempo na corte?
Moreira Alves — Na realidade, houve outro , antigamente, que ficou 30 anos. Mas isso era antes da aposentadoria compulsória. Ele ingressou com 60 anos e morreu com 90.
ConJur — A carreira de professor foi interrompida depois que o senhor foi empossado ministro?
Moreira Alves — Não parei de dar aula enquanto era ministro. Quando fui empossado, a USP me colocou à disposição da Universidade de Brasília, onde lecionei Teoria Geral de Direito Privado de 1974 até 2003, quando me aposentei por São Paulo. Minha atuação, portanto, antes do ingresso no Supremo foi como advogado e professor, sendo que o magistério exerci até os 70 anos, até me aposentar.
ConJur — Na época em que o senhor era procurador-Geral da República, o Ministério era defesa e acusação, certo?
Moreira Alves — Sim. Antigamente o MP fazia a acusação e a defesa. Eu não só era o chefe do Ministério Público Federal, como também fazia a defesa da União. Fazia também o que hoje é papel do advogado-Geral da União.
ConJur — Como foi o convite para integrar a comissão de elaboração do Código Civil?
Moreira Alves — O convite foi feito em 1969, no ano seguinte ao que me empossei na USP. E decorreu da seguinte forma: naquela época, o professor recém-empossado era quem dava a aula magna, e eu era o mais recente da Faculdade de Direito da USP. Minha aula foi sobre as lições do Código Civil português, que havia sido promulgado dois anos antes, em 1966 – portanto, era um código bastante recente. O professor Miguel Reale, que fora designado supervisor dos trabalhos da elaboração do anteprojeto do Código Civil, esteve presente à aula e ao seu término me convidou para fazer parte da comissão de elaboradores, como responsável pela parte geral.
ConJur — Quem integrava a comissão?
Moreira Alves — A comissão era formada pelas seguintes pessoas: o professor Miguel Reale era o coordenador; eu fiquei com a parte geral, a primeira parte; a parte dos Direitos Reais ficou com o professor Ebert Chamoun, do Rio de Janeiro; Direitos das Obrigações ficou com o professor Agostinho Alvim, da PUC de São Paulo; o Direito de Empresas, que era a atividade negocial, ficou com o professor Silvio Marcondes; o Direito de Família ficou com o Clovis de Couto e Silva, do Rio Grande do Sul; e o Direito de Sucessões coube ao professor Torquato Castro, de Recife.
ConJur — E qual foi o caminho que ele percorreu?
Moreira Alves — Em 1975, o anteprojeto foi apresentado ao Ministério da Justiça pelo professor Reale. Depois foi ao Congresso. Na Câmara, o Código teve uma primeira aprovação em 1984 e posteriormente foi ao Senado, onde foi aprovado com algumas alterações devido à nova Constituição. Voltou então à Câmara e foi aprovado em 2002.
ConJur — Longo caminho…
Moreira Alves — Foram 25 anos. Mas todo código civil tem elaboração demorada, exceto, muitas vezes, em regimes não democráticos, como houve com o Código Napoleônico, em que Napoleão o outorgou. Ou com o Código Civil italiano de 1942, do tempo de Mussolini. O Código Civil brasileiro de 1916, o anterior, foi enviado ao Congresso em 1900, durante a República. Demorou, portanto, cerca de 16 anos para ser aprovado.
ConJur — E quais eram as mudanças necessárias ao código de 16?
Moreira Alves — O Código Civil de 1916 era considerado um monumento legislativo, mas nem por isso não devia ser modificado nas partes em que estivesse sido ultrapassado pela evolução do Direito, mantendo-se assim o que não deveria ter modificação. Aí a razão pela qual o Código Civil de 2002 manteve boa parte do Código de 16, mas com várias novidades, inclusive a unificação do Direito Privado.
ConJur — Mas qual foi a principal transformação?
Moreira Alves — O Código de 16 era eminentemente individualista e havia necessidade de uma socialização do Direito Civil, o que se fez, principalmente, por meio da função social da propriedade, dos contratos e da posse, além de se dar ênfase aos conceitos indeterminados e ao princípio da boa-fé objetiva.
ConJur — E foi isso o que mais mudou?
Moreira Alves — O que mais mudou foi justamente a função social da posse e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva e a ampliação dos conceitos jurídicos indeterminados.
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Do blog do Luis Nassif:
Por Marcos Coimbra
Os grandes grupos de mídia brasileiros não se prepararam para a cobertura do julgamento do mensalão.
Sua parafernália foi montada com outro intuito: noticiar o dia a dia de uma condenação.
Se não de todos os 38 réus, pelo menos das principais figuras do PT e de outros partidos que foram acusadas.
Junto com alguns dos personagens de fora da política que se tornaram simbólicos dos eventos que suscitaram as denúncias.
A “grande imprensa” faz plantão na porta do Supremo Tribunal Federal aguardando a condenação. O julgamento é um detalhe, uma burocracia que só retarda o desfecho que espera – e deseja.
A rigor, ela não demonstra interesse pelo que vai acontecer no STF, de agora até que o último réu seja julgado. Parece achar que a história do mensalão já foi escrita.
É irrelevante se o jornalista ou seu empregador estão convencidos da culpa de alguém. Até porque a última preocupação que têm é com a Justiça. Suas convicções políticas, suas antipatias e simpatias impedem a isenção exigida para julgar.
Muitas pessoas acreditam que o pleno exercício do papel da imprensa requer o que chega a ser exacerbação crítica. Sem uma incansável disposição de recusar a verdade estabelecida, sem ser sistematicamente “do contra”, ela seria dispensável. No limite, como dizia Millôr Fernandes, “Jornalismo é de oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.
Certa ou errada a frase (e, no Brasil de hoje, nada menos oposicionista – no sentido que Millôr dava à palavra – que os veículos da indústria de comunicação, que costumam ser apenas porta-vozes do situacionismo de ontem), o que ela ressalta é a incongruência entre julgar e fazer imprensa investigativa.
Essa pode – e talvez deva – ir mais longe na denúncia que o justo (considerando, é claro, os veículos e profissionais que se mantêm no jornalismo e ignorando os agentes do jogo ideológico de baixa qualidade).
O mesmo vale para a atuação do Ministério Público. Excessos saudáveis de alguns de seus integrantes ajudaram no amadurecimento de nossas instituições, ainda debilitadas pelo autoritarismo. Promotores “incômodos” são mais úteis à sociedade que os “bonzinhos”.
De novo, isso é incompatível com a função de julgar. “Carregar nas tintas” de uma denúncia é permissível, e, por isso mesmo, alguém tem que evitar que se convertam, automaticamente, em punição.
O julgamento do mensalão não é o endosso dos ministros do STF ao que a “grande imprensa” diz e nem tampouco o referendo da denúncia apresentada pelo Procurador-Geral. É o momento em que a acusação deixa de ser unilateral e a defesa – tão legítima quanto ela – é ouvida.
Dele, ninguém deve sair condenado sem prova irrefutável de culpa.
Nossa “grande imprensa” se colocou em uma posição delicada. De tanto apostar na condenação – seja por estar convencida da excelência de sua investigação, seja para golpear o “lulopetismo”-, ficou sem saída.
Ou o STF faz o que ela quer ou está obrigada a repudiar seu pronunciamento.
Caso não venham as penas, como se explicará a seus leitores e à opinião pública? Reconhecerá que se excedeu, que atacou sem provas, que destruiu imagens e reputações irresponsavelmente?
Ou vai insistir que estava certa e errado é o julgamento do Supremo? Que, portanto, os cidadãos brasileiros não podem confiar na Justiça?
Para ela, só pode haver um desfecho: a condenação. Mas que julgamento seria esse, se todos já foram condenados?
O que a “grande imprensa” brasileira menos quer é que o Supremo julgue. Ela já fez isso.
E não admite a revisão de seu veredicto.
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