Câmara aprova criação do vale-cultura

Do site da Câmara (Luis Macedo): O Plenário aprovou nesta quarta-feira (21) o Projeto de Lei 4682/12, da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e outros, que cria o vale-cultura, no valor de R$ 50 mensais para os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Terá direito o trabalhador que receba até cinco salários mínimos.
A matéria, aprovada na forma de um substitutivo, será enviada para análise do Senado
.
O vale-cultura já tinha sido aprovado pela Câmara em 2009, com um texto alternativo ao PL 5798/09, do Executivo. O Senado também revisou o projeto, enviando emendas à Câmara. Entretanto, não houve acordo sobre o mérito para votar esse texto.
Segundo o presidente da Câmara, Marco Maia, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foi uma das coordenadoras do novo texto, apoiado por vários deputados. “Fizemos exatamente o que foi combinado com as lideranças e negociado com o Ministério da Cultura e outros setores do governo”, afirmou.
Um dos pontos negociados foi a exclusão dos aposentados e pensionistas dentre os beneficiários, conforme constava da redação aprovada pela Câmara.
Oposição questiona
Apesar de não obstruir a votação, o deputado Mendonça Filho (PE), vice-líder do DEM, disse que a matéria tem vício de iniciativa, porque a criação de despesas para o Executivo só pode ocorrer por meio de um projeto de lei do Planalto.
O vale-cultura será fornecido pelas empresas preferencialmente em meio magnético. Se atendidos todos os empregados que ganham até cinco mínimos, os trabalhadores com renda superior também poderão contar com o benefício.
Um regulamento definirá o percentual de desconto que poderá ser feito dos salários maiores que cinco mínimos, que variará de 20% a 90% do valor do vale. O desconto é semelhante ao que ocorre com o vale-transporte.
No caso de quem recebe até cinco salários, o desconto será de 10% do vale, no máximo.
Produtos culturais
O vale poderá ser usado para acessar serviços e produtos culturais nas áreas de artes visuais; artes cênicas; audiovisual; literatura, humanidades e informação; música; e patrimônio cultural.
O substitutivo aprovado pelo Plenário excluiu estagiários e dependentes dos empregados como possíveis beneficiários do Programa de Cultura do Trabalhador, a ser gerido pelo Ministério da Cultura.
Benefício fiscal
O programa terá as empresas operadoras, responsáveis por produzir e comercializar o vale-cultura; e as empresas beneficiárias, autorizadas a distribuir o vale em troca da dedução de seu valor do Imposto de Renda da pessoa jurídica tributada com base no lucro real.
Esse benefício para as empresas participantes poderá ser usufruído até 2017 e será limitado a 1% do imposto devido.
Os valores recebidos não serão considerados para efeitos de tributação do rendimento do trabalhador ou de base de cálculo para a contribuição previdenciária ou para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Penalidades
As empresas operadoras ou beneficiárias estarão sujeitas a penalidades caso executem inadequadamente as regras do programa. As punições vão desde o pagamento do valor que deixou de ser recolhido como imposto até a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em bancos oficiais e proibição de contratar com a administração pública por dois anos.

Fernanda Lara Tórtima sobre a teoria do domínio do fato: 'Poder mandar não significa mandei'

A conselheira da OAB/RJ Fernanda Lara Tórtima analisa a teoria do domínio do fato, em artigo no jornal Estado de São Paulo:
Do site do jornal Estado de São Paulo (19/11): ARTIGO DE FERNANDA LARA TÓRTIMA – ADVOGADA CRIMINAL, MESTRE EM DIREITO PENAL PELA UNIVERSIDADE DE FRANKFURT AM MAIN (ALEMANHA):
Poder mandar não significa mandei:
Recentemente, o professor emérito da Universidade de Munique Claus Roxin, o grande especialista na teoria do domínio do fato, citada no julgamento da Ação Penal 470, concedeu algumas poucas entrevistas a respeito da teoria em questão, publicadas em periódicos brasileiros. Foi o suficiente para que se passasse a insinuar que o eminente jurista teria censurado nosso Supremo Tribunal Federal.
Nada menos verdadeiro. Pensar que Roxin teria criticado diretamente os votos proferidos durante o citado julgamento é, no mínimo, pueril. E divulgar essa ideia é leviano. É evidente que, apesar de nos ter brindado com uma breve visita ao Rio de Janeiro, para evento acadêmico, no final do mês de outubro, não teve oportunidade de ouvir, a respeito do processo, mais do que algumas explicações superficiais. Suas manifestações limitaram-se à reprodução, em caráter abstrato, de ideias que já vinham sendo por ele divulgadas há aproximadamente cinco décadas em diversas publicações científicas.
Por outro lado, as entrevistas por ele gentilmente concedidas, se observadas corretamente, como fonte de doutrina, fazem ver que a teoria do domínio do fato parece ter sido utilizada equivocadamente durante o julgamento da Ação Penal 470.
A bem da verdade, não é tarefa fácil compreender a forma como a teoria em questão serviu ao resultado condenatório. Falou-se, de forma descontextualizada, a respeito de domínio “final” ou “funcional” do fato; chegou-se a invocar a formulação dos aparelhos organizados de poder e, ao que parece, pretendeu-se inserir os enunciados da teoria na análise da prova dos autos, a ponto de se fazer crer que a identificação da posição hierárquica de alguns acusados dentro da estrutura de poder poderia contribuir para a presunção de que teriam eles participado de determinadas condutas criminosas. Em outras palavras, passou-se a impressão de que a mera circunstância de alguém ocupar elevada posição hierárquica fundamentaria a responsabilidade pela prática do crime.
Essa utilização da teoria do domínio do fato seria absolutamente incorreta. Não se pode, de forma alguma, mesclar suas premissas com a análise da prova de que alguém tenha concorrido para a realização de um crime. A teoria do domínio do fato serve exclusivamente à distinção entre autores e partícipes de um crime, após ter sido devidamente demonstrado terem os acusados concorrido para sua realização.
A tese não é complexa: uma vez comprovado – e somente após isso – que determinado acusado contribuiu para a prática criminosa, verifica-se se ele o fez dominando os fatos. Em caso positivo, atuou ele como autor; caso contrário, como simples partícipe (mandante, isto é, instigador, ou cúmplice).
Não se pretende aqui afirmar que não existiam provas para a condenação de qualquer um dos que figuram como acusados no processo em questão. Também não se pretende concluir serem inadmissíveis condenações em ações penais em geral com base em provas indiciárias. Mas o que não se pode conceber é que a teoria do domínio do fato seja utilizada para finalidades para as quais não foi desenvolvida. E ela não foi criada para fins de comprovação de que determinado acusado tenha participado de condutas criminosas.
Também se fez menção, em passagens do julgamento da AP 470, à formulação relativa aos aparelhos organizados de poder, desenvolvida por Roxin no âmbito da teoria do domínio do fato. A formulação fora corretamente utilizada no julgamento do ex-presidente Alberto Fujimori pela Corte Suprema peruana. Lá não se mesclou o uso da teoria com a análise da prova dos autos, apenas condenou-se Fujimori como autor, e não mero partícipe, considerando-se ter ele exercido, por meio de uma estrutura organizada de poder, o domínio da vontade dos autores que realizaram o tipo pelas próprias mãos (imediatos). Sem a teoria do domínio do fato, Fujimori não teria sido absolvido, mas condenado como partícipe.
Aqui, ao contrário, passou-se ao menos a impressão de que o decreto condenatório de determinados acusados – e não apenas a designação deles como autores ou partícipes – decorreu da aplicação da teoria do domínio do fato, o que, como se viu, importa em incontornável equívoco.
A teoria do domínio do fato ainda é pouco utilizada em julgados brasileiros. Não se pode deixar de lamentar que aparentemente se tenha recorrido ao seu uso de forma equivocada em um julgamento de tamanha repercussão. A preocupação não é apenas com as consequências do erro no caso de que estamos falando, mas sim com sua reprodução, possivelmente também errônea, em milhares de decisões judiciais a serem proferidas no País. A teoria do domínio do fato assumiu no julgamento da Ação Penal 470 ares de novidade. A adoção de teorias aparentemente herméticas, e, de toda sorte, conhecidas por uma parcela pequena da população e mesmo da comunidade jurídica, costuma servir de álibi para drásticas alterações de orientação de entendimento jurídico. A culpa passa a ser da “nova” teoria, como se ela não existisse antes, e como se servisse aos fins para os quais foi utilizada.

Presença de goleiros negros no Brasil salta de 12,5% para 31% em 8 anos

Do site do UOL: Já foi-se o tempo em que se dizia abertamente que um goleiro não era bom ou confiável apenas por não ser branco. Isso porque cada vez mais o número de arqueiros negros tem aumentado no futebol brasileiro. Mas eles ainda estão longe de refletir, como os jogadores de linha, a diversidade étnica da população.
Nos últimos oito anos, a presença de negros e pardos debaixo das metas dos grandes clubes brasileiros saltou de 12,5% para 31%, mas está abaixo da média nacional, indicada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 50,7%. Nas demais posições, eles representam 53% dos jogadores, ou seja, estão em sintonia com a composição étnica do Brasil.
A porcentagem dos goleiros negros e pardos vem aumentando gradualmente entre os times da Série A do Campeonato Brasileiro. Em levantamento feito com base nos elencos das equipes divulgados no Guia Placar do Brasileirão, o jornalista Paulo Guilherme, autor do livro Goleiros – Heróis e Anti-heróis da Camisa 1, viu que a presença de goleiros negros e pardos na elite do futebol nacional aumentava a cada ano. Em 2004, eles eram 12,5%, em 2005,18% e 2006, 20,5%.
Um novo levantamento, feito pelo UOL Esporte, mostra que a participação continua aumentando. Em 2010, eles eram 25% e, no ano seguinte, 29% e chegam a 31% neste ano.
“Essa história começou com a condenação de um homem inocente, que morreu preocupado. O Barbosa”, diz Valdir de Morais, goleiro profissional por duas décadas e pioneiro como treinador da profissão por outras quatro. “Esse tipo de conversa já ouvi muito e sempre me chateou, uma grande bobagem”, diz ele.
A percepção geral é que o preconceito começou com os gols sofridos na derrota para o Uruguai pelo então goleiro do Vasco na final da Copa do Mundo de 1950. Mas o livro de Guilherme indica que o preconceito pode ser mais antigo. Ele afirma que desde o primeiro jogo da seleção, em 1914, até 2006, 92 goleiros haviam sido convocados e apenas 12 deles eram negros e pardos.
Deve-se levar em conta que na primeira metade do século 20, o preconceito de cor não era privilégio dos goleiros, mas afetava todos os jogadores. “O apelido Macaca vem de nós termos sido os primeiros a acolher jogadores negros”, diz o presidente da Ponte Preta, Marcio Della Volpe. “O que para os outros era um xingamento, para nós, desde o começo, foi motivo de orgulho.”
Vida dura
Depois de Barbosa, o primeiro goleiro negro a se firmar como titular da seleção brasileira foi Dida, no final dos anos 1990. Antes, os poucos convocados não tinham vida fácil. Veludo, reserva de Castilho no Fluminense e na Copa de 1954, ficou marcado por uma falha em jogo pelo Campeonato Carioca de 1956. O incidente levou a diretoria a reduzir em 60% seu salário e teria contribuído para seu alcoolismo e final de carreira. O frango sofrido pelo pardo Manga na Copa de 66 no jogo contra Portugal foi muitas vezes explicado – com toda seriedade – como um desequilíbrio emocional relacionado com a cor de sua pele.
Outro que reclama do preconceito é Jairo, goleiro que detém até hoje o recorde de tempo sem sofrer gols pelo Corinthians (1.131 minutos), no final dos anos 70. “Na minha época, diziam que goleiro tinha que ser loiro de olho azul. Quando levava um gol, a primeira coisa que falavam era da minha cor.”
Se muitos apontam Barbosa como o começo do preconceito, Dida é citado como o goleiro que acabou com ele. “Ele foi para a Europa, jogar em um dos maiores times do mundo (o Milan) e abriu as portas. Falar o que depois disso?”, diz Felipe. O dono da camisa 1 do Flamengo diz que, nunca sofreu preconceito. “Na minha época já não tinha isso, era coisa do passado.”
Dida falou poucas vezes sobre o assunto. Uma delas foi durante uma entrevista coletiva na preparação para a Copa de 2006, na qual ele viria a ser o primeiro goleiro negro titular do Brasil desde 50. “Fico feliz por quebrar um tabu de mais de 50 anos. Isso é importante. Ele (Barbosa) foi muito sacrificado. Estou feliz de contribuir para aquilo ser esquecido “, disse ele.
E contribuiu mesmo. Após Dida, muitos outros arqueiros negros vêm se destacando no Brasil ou fora dele, como Helton, Gomes e Jefferson.
Mas este último, goleiro do Botafogo e da seleção (foto abaixo), sabe que ainda existe caminho a ser percorrido. “No Brasil hoje não se fala de preconceito, mas sabemos que existe. Uma vez um goleiro negro falou que iria torcer para mim pelo resto da vida porque sabia da dificuldade de conseguir algo na carreira”, declarou ele no passado.

CCJ aprova regulamentação da profissão de comerciário

Do site da Câmara (Lúcio Bernardo Jr): A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou na quarta-feira (14) o Projeto de Lei 3592/12, do senador Paulo Paim (PT-RS), que regulamenta a profissão de comerciário – aquele que trabalha em lojas, agências de turismo, salões de beleza ou outros estabelecimentos comerciais. O texto aprovado fixa a jornada normal de trabalho dos comerciários em 8 horas diárias e 44 semanais. Estes limites só podem ser alterados em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
A proposta, no entanto, admite jornadas menores, de seis horas, para o trabalho realizado em turnos de revezamento, desde que não ocorram perdas na remuneração e que o mesmo empregado não seja utilizado em mais de um turno de trabalho.
A votação foi acompanhada por centenas de comerciários e representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Força Sindical, sindicatos e federações da categoria, que comemoraram a aprovação.
O projeto veio do Senado e tem caráter conclusivo, mas recebeu uma emenda na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. O relator, deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), disse que os defensores do projeto precisam se mobilizar para que ele seja aprovado rapidamente no Senado, de forma que seja sancionado ainda neste ano pela presidente Dilma Rousseff.
Novos empregos
O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), afirmou que a aprovação do projeto poderá criar até 4 milhões de empregos no comércio. Isso porque o projeto limita a carga horária máxima semanal a 44 horas e cria a carga horária de 36 horas. Se essa segunda alternativa for adotada, terão de ser abertas novas vagas. Atualmente, a carga horária já é de 44 horas, mas os sindicalistas afirmam que, na prática, chega até a 52 horas.
O projeto não trata de trabalho aos domingos, que já é regulado em lei.
Contribuição sindical
A proposta também obriga todas as empresas a contribuir para entidades sindicais, independentemente de filiação, porte ou número de empregados, assim como todos os comerciários, associados ou não, a pagar a taxa sindical. No caso do trabalhador, a contribuição sindical será fixada em assembleia geral da entidade representativa da categoria profissional, não podendo ultrapassar 1% do salário. A participação das empresas também será definida em assembleia geral, de acordo com o número de empregados de cada empresa.
A proposta permite ainda que as entidades representativas das categorias econômica (empresas) e profissional (comerciários) promovam, por meio de negociações coletivas, programas e ações de educação, formação e qualificação profissional.
O texto aprovado ainda oficializa a data de 30 de outubro como o Dia do Comerciário.

Tribuna do Advogado entrevista Claus Roxin, um dos idealizadores da teoria do domínio do fato

O órgão oficial da OAB/RJ, a Tribuna do Advogado, realizou entrevista com o jurista alemão Claus Roxin (foto abaixo da Folha de S. Paulo), um dos idealizadores da tese do domínio do fato, base da acusação da PGR na AP 470, e que foi aceita pela maioria do Supremo.
Na entrevista, ele afirma: “O ‘ter de saber’ não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir”.
Do site da Tribuna do Advogado (Eduardo Sarmento): 
A teoria do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da Ação Penal 470. Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve apresentação?

A teoria do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a desenvolveu em todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com cerca de 700 páginas. Minha motivação foram os crimes cometidos à época do nacional-socialismo.

A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido delitos pelas próprias mãos – por exemplo, o disparo contra judeus -, enquanto sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da época.

Teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, assim como na responsabilização de Alberto Fujimori por crimes cometidos durante seu governo

De início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi cada vez mais aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo, grandes êxitos foram obtidos, sobretudo na América do Sul, onde a teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, considerando seus integrantes autores, assim como na responsabilização do ex-presidente peruano Alberto Fujimori por diversos crimes cometidos durante seu governo.

Posteriormente, o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso Superior Tribunal de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar os casos de crimes na Alemanha Oriental, especialmente as ordens para disparar contra aqueles que tentassem fugir para a Alemanha Ocidental atravessando a fronteira entre os dois países. A teoria também foi adotada pelo Tribunal Penal Internacional e consta em seu estatuto.

Seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar determinada posição hierárquica?

Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. O ‘ter de saber’ não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.

No caso de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e homicídios que foram realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do Peru exigiu as provas desses fatos para condená-lo. No caso dos atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os acusados foram os membros do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que deram a ordem para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a fronteira e fugir para a Alemanha Ocidental.

É possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por dirigentes governamentais em uma democracia?

Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado. O critério com que trabalho é a dissociação do Direito (Rechtsgelöstheit). A característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.

Em uma democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo ilícito, as pessoas têm o conhecimento de que poderão responder por isso. Somente em um regime autoritário pode-se atuar com a certeza de que nada vai acontecer, com a garantia da ditadura.

Toffoli diz que penas duras remontam à época da Inquisição

Do site da Folha (FELIPE SELIGMAN/FLÁVIO FERREIRA/MÁRCIO FALCÃO): O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli questionou nesta quarta-feira o tamanho das penas aplicadas aos réus do mensalão pela Corte e disse que parâmetros do julgamento não são mais da época da “fogueira”.
“A filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento em 2012 não é o parâmetro da época de Torquemada, da época da condenação fácil à fogueira”, apontou citando Tomás de Torquemada, famoso inquisitor espanhol do século 15.
O ministro afirmou que, em seu entendimento, a pedagogia contra o crime financeiro é recuperar os valores desviados e não colocar as pessoas na cadeia. Para Dias Toffoli, “prisão combina com período medieval”.
“As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas nesse processo não tem parâmetros contemporâneos. Em termos de multa, também não tem”.
Até agora, com foram definidas penas para oito réus que somam 157 anos de prisão e mais de R$ 11 milhões em multas. Ao todo, foram 25 condenados pelo esquema de desvio de recursos públicos e empréstimos fictícios utilizados para a compra de parlamentares no início do governo Lula.
Dias Toffoli citou a fala de ontem do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) de que preferia morrer do que ir para uma prisão brasileira.
“Já ouvi leituras dizendo que o pedagógico é colocar as pessoas na cadeia, o pedagógico é recuperar os valores desviados, muitas vezes em auto beneficio”. E questionou: “Vale a pena passar tempo na cadeia pelo custo benefício e depois usufruir os valores?”.
Dias Toffoli afirmou ainda que, quando comandou a Advocacia Geral da União, instalou um departamento de recuperação de recursos desviados. “Sem medo de dizer o que eu penso, [numa linha] mais liberal, vamos dizer mais contemporânea, porque prisão combina com período medieval, no período que foi instituída. Vamos ser contemporâneo às multas”, defendeu.
Segundo o ministro, os critérios adotados pelo Supremo na definição das penas são exagerados se comparados com penas de crimes contra a sociedade. Ele chegou a citar a dona do Banco Rural, Kátia Rabello, condenada a mais de 16 anos de prisão.
“Crimes contra o ser humano são apenados, volto a dizer, com penas mais leves do que essa em termos de restrição de liberdade. Pessoas que não são violentas, que não agridem o ser humano do ponto de vista real, temos uma banqueira condenada, uma bailarina”.
Para Dias Toffoli, o mensalão não colocou em risco a democracia. “Aqui o intuito era financeiro, não era atentar contra a democracia, o Estado de direito, que é mais sólido do que isso (…) Partindo dessa premissa, que se pague com o vil metal”.
O ministro também se disse preocupado com a simbologia do julgamento. “Temos que repensar o que estamos a sinalizar para a sociedade”, disse.
O ministro Luiz Fux disse que concordava com parte das declarações de Dias Toffoli, mas que, no caso específico, era preciso seguir o que prevê a Constituição. “Não podemos fugir da aplicação da lei porque essa foi a opção do legislador”, disse.

Nassif: 'Ayres Britto completa a desconstrução do direito de resposta'

O jornalista Luis Nassif escreve artigo, criticando a postura do ministro do STF, Ayres Britto, em relação à defesa do direito de resposta em nossa legislação: 
Do site do Luis Nassif: Como Ministro do STF, Ayres Britto acabou com a Lei da Imprensa e não cuidou de preservar o direito de resposta. Deixou ao desamparo centenas de vítimas dos crimes da imprensa.
Logo que assumiu a presidência do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) anunciou a criação de um grupo visando coibir abusos de juizes de primeira instância contra a imprensa. Em seguida, uma série imensa de entrevistas onde tratava a liberdade de imprensa como valor absoluto – não o direito à informação e a liberdade de expressão, mas objetivamente a liberdade de imprensa.
Aqui mesmo enderecei-lhe Carta Aberta questionando sua falta de sensibilidade para com as vítimas de assassinatos de reputação da mídia. Mostrei-lhe que o problema maior era o contrário, a dificuldade das vítimas em recorrer ao Judiciário, mercê de uma visão distorcida sobre a natureza das empresas jornalísticas e sobre sua relação com o direito à informação.
A imprensa é um instrumento do direito à informação – este, sim, um direito absoluto. Por ser responsável pelo cumprimento de um dos direitos fundamentais da sociedade democrática, sua responsabilidade deve ser redobrada.
Há momentos em que a imprensa cumpre com essa responsabilidade. Em outros momentos extrapola, muitas vezes colocando interesses comerciais à frente da responsabilidade perante a informação. O papel do Judiciário é justamente o de permitir às vítimas defenderem-se, zelar por sua reputação e por sua privacidade, estabelecer um mínimo de equilíbrio entre o imenso poder de um órgão de mídia e a vulnerabilidade do cidadão atingido por seus ataques.
Depois da Carta fui convidado para um almoço com Ayres Britto. Iniciou o almoço apresentando-se como poeta, para ganhar a simpatia do interlocutor.
Cobrei dele afirmações sobre a liberdade de imprensa como direito absoluto. Qualquer forma de direito tem que vir acompanhado de responsabilidades proporcionais. Mas em suas entrevistas, só lia sobre os direitos. Com ar inocente, disse que sempre falava em direitos e obrigações, mas os jornais só publicavam a parte dos direitos.
Ministro – argumentei -, tudo bem essa manipulação na primeira entrevista. Mas o senhor permitiu que se repetisse na segunda, na terceira, na quarta. E a palavra que vai para todo o país é aquela transmitida pelos meios de comunicação. Disse que não podia fazer nada.
Solicitei que permitisse, ao menos, que houvesse um debate plural no CNJ, sobre os limites à ação da imprensa, sobre a importância do direito de resposta, sobre a proteção ao direito difuso da população, das vítimas da imprudência jornalística. Prometeu que abriria essas discussões.
Que nada! Levou algum tempo para entender o que movia Ayres Britto.
No dia 2 de outubro de 2010, a Folha trouxe matéria sobre o seu genro (clique aqui). Ele se apresentava como advogado de políticos que seriam julgados pela Lei da Ficha Limpa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no STF.
Vendia o peixe de que, sendo advogado, o sogro teria que se declarar impedido de votar, dificultando a condenação do político. O genro tentou vender os serviços para Joaquim Roriz.
O argumento central do genro, segundo a reportagem, era de que esse mesmo esquema tinha sido montado com o senador Expedito Júnior, de Rondônia.
Diz a reportagem:
“No caso de Expedito Júnior, Britto alegou impedimento duas vezes: no STF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No ano passado, Britto foi sorteado relator de um inquérito no Supremo que investiga Expedito. Uma semana depois, Borges entrou na causa e obrigou o ministro a se declarar impedido.
Para atuar na Justiça Eleitoral, Borges foi contratado em 2006, quando o tucano foi acusado de comprar votos para se eleger senador em Rondônia. No ano passado, ele foi cassado pelo TSE em julgamento que não contou com a presença Ayres Britto, impedido de votar.
Na tentativa de estipular um preço para defender Roriz, Borges afirma ter cobrado R$ 4,5 milhões do cliente de Rondônia. “Eu estou trabalhando [para] o Expedito Júnior, o pró-labore foi cobrado um milhão e meio e três no êxito, né”, disse.
Ontem, Borges e Expedito, por meio de suas assessorias, negaram o pagamento de R$ 4,5 milhões. Alegando confidencialidade, não revelaram o preço pago. O genro do ministro do STF também é um dos advogados de Expedito no caso da Ficha Limpa”.
Desde que essa reportagem foi anunciada, mudou completamente o comportamento de Ayres Britto. Tornou-se o mais intimorato defensor da liberdade de imprensa, como valor absoluto, e nunca mais foi incomodado por denúncias. Muito provavelmente foi vítima da armação do genro, mas pouco importa.
Antes de se aposentar, cria a tal brigada com integrantes das principais associações de mídia, para defendê-los de quem ousar buscar reparação na Justiça contra as injustiças de que tenha sido vítima.
Ayres Britto resolveu seus problemas com a imprensa, à custa do comprometimento dos direitos de centenas de vítimas dos assassinatos de reputação.

Alemão responsável pela tese do domínio do fato diz que acusação tem que provar

Do site da Folha (CRISTINA GRILLO/DENISE MENCHEN): Insatisfeito com a jurisprudência alemã – que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito -, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin – O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
Folha – É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
Folha – O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
Folha – A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.

Estudante diz ter sido humilhada por orientadora de doutorado da UFRJ

Do G1 Rio (Paulo Maurício Costa): A doutoranda em Química Andreia Silva de Souto conquistou em outubro o direito de retomar seu curso de especialização na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), cerca de um ano depois de, segundo ela, ter sido humilhada por sua orientadora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzana Borschiver.
O advogado de Andreia, Alexandre Barenco, entrou com ação de responsabilidade civil na Justiça Federal contra a universidade, requerendo indenização e a liberação do histórico escolar da estudante. O segundo pedido foi deferido pela 16ª Vara Federal do Rio, permitindo à aluna ser aprovada na avaliação da Fiocruz, instituição na qual concluiu, em 2007, o mestrado em Ensino em Biociências e Saúde.
Andreia disse ao advogado ter sido xingada pela orientadora. “Você é pobre e fede. Está pensando o quê? Pobre não pode estudar aqui”, teria dito Suzana, evocando a origem de Andreia, negra de 35 anos, criada no conjunto de favelas do Complexo da Maré, subúrbio do Rio. A notícia foi publicada na coluna do jornalista Ancelmo Gois, na edição desta terça-feira (13) do jornal O Globo.
Procuradas pelo G1, a UFRJ e a orientadora não haviam se pronunciado até as 14h30 desta terça-feira. Andreia, segundo seu advogado, não quer conversar com a imprensa.
De acordo com Alexanfre Barenco, Andreia Silva teve de voltar ao Rio de Janeiro após um período cumprindo créditos do doutorado da UFRJ na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Portugal. Quando sua bolsa de estudos foi suspensa em 2011 por problemas econômicos naquele país, a doutoranda iniciou contatos por e-mail com Suzana Borschiver, manifestando a urgência em retornar às salas da universidade. “Já nesses e-mails, a orientadora não se mostrava amistosa. Ela tentava culpar a Andreia pelo fim da bolsa”, disse Barenco.
O advogado afirma que Andreia tentou, sem sucesso, trocar de orientador. Mais tarde, ela ouviu uma resposta negativa quando pediu à UFRJ que liberasse seu histórico, documento obrigatório na candidatura a um curso em outra instituição. “A universidade não deu o histórico. E ainda manteve a matrícula dela ativa, à revelia da Andreia, com outra pessoa fazendo o curso no lugar dela. Como pode uma universidade com a importância da UFRJ não permitir que uma aluna se desligue?”, questionou Alexandre Barenco.
Muito abalada, Andreia permaneceu quase um ano sem retomar os estudos. Até que finalmente obteve o histórico e se matriculou na Fiocruz. “Somento em 2013 deve haver resposta sobre a indenização, cujo valor preferi que fosse arbitrado pelo juiz. A Andreia não entrou com essa ação por dinheiro, mas porque foi humilhada”, afirmou Barenco, acrescentando que o objeto da ação é a UFRJ. “A orientadora não é citada na descrição dos fatos.”